A Barca
Eu me arrastava ao chão por cima de bostas ressecadas que se espalhavam pelo caminho como um tapete amarronzado e fétido. Meus braços doíam pelo esforço das “remadas” para deslocar meu corpo. De quando em quando passavam por mim andarilhos que seguiam o mesmo destino, no entanto, seus ventres não roçavam ao chão. Eles andavam com vigor e altivez, alguns corriam, e a maioria sequer me enxergava. Pareciam destemidos e saudáveis, ao passo que eu não tinha forças para me colocar em pé. Aos que lançavam seus olhares em minha direção eu suplicava uma ajuda. Mas era inútil, ninguém se deu o trabalho de ajudar, nem ao menos uma palavra de conforto eu pude ouvir. Cada qual seguia seu caminho sem olhar para o lado, era sempre em frente, sem paradas ou qualquer tipo de perda tempo.
A sensação de impotência que eu sentia era torturante. Minhas pernas, minha mente, pareciam adormecidas, só minhas mãos trabalhavam, me empurrando para adiante, sempre adiante. Meus dedos e unhas estavam em carne viva, mas eu não conseguia parar de me arrastar. Os dias correram velozes, as noites passaram insones e frias. Meses e anos voavam por cima de mim. Meus cabelos encanecidos mostravam o passar do tempo. Durante esse longínquo percurso eu fiquei lado a lado de pessoas como eu, que rastejavam sofregamente, enquanto a maioria andava ou corria. Eu os ignorei, assim como fui ignorado.
Quando já não sentia mais nada, nada mais me doía ou afligia, quando não mais me interessava em levantar, em andar ou correr, resignado pela minha condição de rastejante, alcancei meu destino, e me espantei. Estavam todos lá. Todos aqueles que passaram por mim confiantes e desdenhosos, finalizaram sua jornada no mesmo lugar que eu. No lugar onde tudo termina. Bem aqui defronte do rio, esperando a barca. Retirei uma moeda do bolso e relaxei aguardando o barqueiro.