A domadora de medos
Hoje prometi a mim mesma que vou conseguir sair de casa, não aguento mais essa vida infernal, não posso mais perder noites de sono e ficar na frente desse computador, não mesmo. Eu vou sair, como alguém que sai pela manhã pra comprar um pão ou como alguém que sai apenas porque está entediado, eu vou sair, eu consigo. Meus pais saíram e deixaram uma chave dentro do armário, é apenas dela que preciso agora. Me dirijo até o armário, pego a chave. Hora de ir até a porta, estou girando a chave, já está quase abrindo...pronto, abriu! Ah, como é bom sentir o calor do sol no meu rosto, como é bom ver a luz de novo, meu Deus, isso não tem preço e eu preciso ir adiante. Tranco a porta e dou os primeiros passos até a rua. Maldição! Minhas mãos estão suando gelado, já sinto minhas pernas trêmulas, mas eu quero continuar, a final, é só uma caminhada, como nos velhos tempos não é mesmo?
Estou chegando na esquina, a cada passo é uma sensação de superação misturada a algo terrível que parece me consumir e me matar aos poucos. Naquele momento tudo o que eu queria era a minha vida de volta, a vida de que tanto reclamei. Ai não! Minha respiração está tão presa e ofegante, temo desmaiar, morrer ou quem sabe perder a noção da realidade. Tem pessoas andando pelas calçadas, tem pessoas dirigindo, eu olho pra elas e me pergunto de onde vem aquela facilidade em fazer tudo isso, facilidade a qual eu também tinha. Procuro me controlar, o segundo quarteirão está terrível, eu mal sinto as minhas pernas, meu coração está batendo acelerado e devo estar com a expressão de alguém doente. Eu fico pensando de onde vem todo esse medo, não existe exatamente alguma ameaça a minha vida naquele caminho, tudo bem que não se pode confiar muito em pessoas mas creio eu que no momento elas não me ofereçam perigo, eu não tenho um porque de estar desse jeito, mas eu insisto em me sentir assim, por mais estranho e incompreensível que possa ser.
Tem um bar logo no início do próximo quarteirão, pretendo me sentar um pouco e procurar me acalmar. Estou esperando o sinal fechar, o som que aqueles carros fazem enquanto andam está me perturbando, meu coração acelera ainda mais. O sinal fecha e sinto um alivio, atravesso a rua correndo e logo me sento em uma cadeira, minhas mãos estão tremendo, sinto uma dor na região do peito, parece ser angústia e eu não consigo segurar o choro. As pessoas que passam pela calçada olham pra mim e eu me sinto como uma insana sendo observada, elas devem estar me estranhando, sentindo pena de mim e eu odeio isso, odeio que sintam pena de mim. Uma moça se aproxima e me pergunta se quero um copo d’água, eu aceito. Alguns minutos depois e ela vem com o copo cheio de água e entrega em minhas mãos, eu agradeço e bebo quase metade de uma só vez. A moça passa a mão na minha cabeça e pergunta o que aconteceu, eu digo que tenho problemas relacionados a pânico mas não sei especificar já que ainda não tinha começado um tratamento e o pouco que sabia foi o que tinha pesquisado na internet. Ela se senta ao meu lado, segura em uma de minhas mãos e diz que sua mãe também tem problemas semelhantes, diz que devo procurar um psicólogo e um psiquiatra, no mesmo momento eu digo assustada: "– Psiquiatra não!’’. A garota ri e me fala que psiquiatras não são só pra loucos, muitas pessoas hoje em dia precisam, ainda mais com essa vida turbulenta. Não me convenci, mas preferi não dizer mais nada, apenas queria aproveitar aquela companhia tão calma e gentil que me cercava. Ah, como é bom...até que enfim alguém que me olha diferente, não era um olhar de pena e sim intencionado a ajudar, e isso é bom, muito bom, tive uma sensação enorme de calma e então todo aquele pânico foi passando, as palavras doadoras dela me ajudavam, me traziam fé de melhorar e poder viver de novo. Quando ela perguntou minha idade imaginei que fosse se surpreender com o meu estado, mas não, ela apenas disse o quanto aquilo era comum na adolescência, já que nessa idade muitos passam por problemas, sejam familiares ou mesmo na escola, sofrem desde cedo nas mãos da sociedade...e isso é tão triste.
Um carro para em frente ao bar, são meus pais, minha mãe desce do carro e vem até mim, pergunta o que aconteceu e eu digo que saí de casa e acabei passando mal. Minha mãe pede pra que eu volte pra casa com eles, eu aceito. Me levanto da cadeira, dou um beijo no rosto e um abraço na minha domadora e lhe pergunto seu nome. Agora já estou com um discreto sorriso no rosto, vou até o carro, entro, volto pra casa, o coração está mais calmo.