DESPERTAR
        
Ele chegou vestido de noite e encontrou-a vestida de lua, contraste que não impediu a paixão. Aproximou-se como costumeiramente. Mas trazia nos olhos um brilho faiscando.

— Boa noite.

— Boa noite, Carlos.

— Onde os caras estão reunidos?

— Que caras? Você se refere ao rapazes da banda?

Sorriu, olhando para os lados.

— Isto, tia, onde estão? Marcamos o ensaio.

— O ensaio? Que horas?

— A hora não importa. Olha só. Fiz de propósito...

— De propósito?

— E para de repetir o que digo, tia.  Só precisava ter certeza. Já saíram todos, não foi? É isto. Cheguei bem na hora.

Enquanto falava, foi enlaçando-a pela cintura. Entre surpresa e feliz, balbuciou:

— Não brinca assim, garoto.

— Este garoto está louco, louco de amor pela mulher mais linda do mundo.

Os lábios carnudos dele foram revirando os dela, num beijo de ânsia, fome, e agressão. Helena sorriu por dentro, entregando-se ao arroubo do rapaz, que vira crescer, que brincava com seus filhos, que continuava chamando-a de tia. Permitiu que o corpo rijo fosse se encaixando em suas formas, aquecendo-as, fazendo reviver a mulher que os anos haviam sossegado. Reagiu, afastando-o.

— Para, para. Isto não pode. Não podemos. É loucura.

— Não. Eu te quero, te amo. Deixa eu te amar, vai, deixa. 

Queria invocar a razão, dizer-se dos contras, que eram tantos: cor, idade, posição social, educação, tudo. 

— Está errado. Sou uma mulher...

— É verdade. És uma mulher marvilhosa, tia. E foste criando o amor em mim. Eu cresci, olha só. E vim te amar.

O corpo sentia anseio de macho jovem, do menino que tantas vezes a espiara tomando banho e de quem havia recebido elogios rasgados, entre risos, peraltice, desculpas. De fato, ele se fizera homem e capaz de vibrar o desejo esquecido, enterrado, que agora se tornava fênix, com o sopro da juventude.   

— É maldade. Não pode fazer isto comigo, garoto. Que abuso! Se o Josué fica sabendo, te mata.

— Não. Ele vai ficar contente quando entender o quanto amo a mãe dele. Vai gostar.
— E os meus amigos, a minha idade, tudo?

— Nada disto importa. És uma mulher corajosa. Eu também. Te amo. O resto, que se lichem. Vão é morrer de inveja, podes crer.

— Não é bem assim. Tenho medo.

— Saio daqui, nunca mais te incomodo, se disseres, olhando nos meus olhos, que não queres o mesmo, que não me aceitas como teu homem.

— Garoto!

Atirou-se em seus braços. Estavam sozinhos em casa. E por que não? Quantas vezes a vida oferece novas oportunidades?

— Venha.

Era preciso largar preconceitos, de todos e os dela, para viver algo novo, sublime, doce e temido, ainda que com o rechaço dos filhos, dos amigos, dos parentes.  

E viveu.






 
                  
 
 
 
 
 
 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 23/06/2013
Reeditado em 24/06/2013
Código do texto: T4354181
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