Olimpíadas da Morte

O clima de olimpíadas paira no ar. Vários tipos de manifestações; fogos, gente torcendo, faixas, etc... preenchia espaços vazios. Numa cidade grande como São Paulo delírios abundam em cada esquina. A necessidade de se criar algo novo incomoda a raça humana.

Com as competições acontecendo diariamente na telinha, algo diferente virou manchete de um dia para outro, causando mal estar na sociedade.

                                 "AS OLIMPÍADAS DA MORTE"

Na periferia quatro adolescentes conversam:

- Cara! Falou Maneco, vocês viram as provas aquáticas? Que arraso!

- Grande coisa! Zomba Beto. Todos sabem nadar... quero ver cair na água sem saber nadar.

- Porra Beto! Você é uma anta! Xingou gaúcho.

Chico que estava ao lado concordou:

- Claro Beto! Cai na água sem saber nadar e vai ver o que acontece.

Todos riram, inclusive o Beto.

- Eu quero ver cair na água sem saber nadar - Insiste - se o camarada sair, aí, então... este é o cara!

Enquanto rolava este bate papo absurdo - viagens de adolescentes - em outro canto da cidade, no "Parque Atlética", quatro coroas com idades entre 70 e 76 discutiam também sobre as olimpíadas. Seu nonó, o mais velho, dizia:

- 200 metros com barreira eu faço até hoje!

- Faz... faz de conta - brincou o velho Antônio -, se você, nonó, correr 50 metros sem barreiras nós vamos te alcançar no céu! Você embarca!

O velho Zizinho cai na risada e confirma:

- Verdade nonó! Cê não aguenta mais nada!

- O que!? - nonó indignado - Corro 300 metros com barreiras!

"Seu" Djalma, que até agora ouvia e ria, falou:

- Velho burro! Quer zarpar mais cedo?

Todos riam das façanhas do velho nonó. Entusiasmados discutiam as probabilidades de alguns metros com barreiras.

Enquanto isto, no jardins - bairro de classe média alta- num bar da moda chamado "Sepulcros Bar Beer" três jovens com idades de 23, 25, 29 anos, bebiam, bebiam e se deliciavam com as porradas do boxe.

Jota Alcântara, o mais velho, reclama:

- Não sei por quê usam protetores! Tinha que ser com a cara limpa!

Junior Brandão concorda.

- Sem protetor, sem luvas e sem juiz.

Leonardo de Ávila filho riu:

- Vence quem sobreviver!

Jota e Junior concordaram e entornaram mais um copo de cerveja. Os três estavam altos. Seus olhos pediam sangue.

Muito distante dali, na favela buraco quente, os nóias, Cleverson, vulgo tuta, Rosivaldo, vulgo dedo mole e Clarindo o fú, assistiam a prova de tiros e comentavam:

- Porra véio! O alvo tinha que ser móvel - Falou tuta.

- A mosca devia ser o coração! Reclamou fú. Dedo mole completou:

- Tinha que ter um mané ali, e se os caras o acertassem, bal...bal, vai pro saco! Apontou o dedo como se fosse uma arma e atirou. A risada foi geral. Dedo mole tirou o 38 da cintura rodou nos dedos e apontou para o alto. Tuta vendo o que iria acontecer se antecipou:

- Não atira mano! Vai fazer fuzuê na favela!

Fú que estava fumando um basiado ofereceu para dedo mole e disse:

- Mano! Tive uma idéia! Vamo faze nóis um jogo diferente. Passa o 38 pra mim dedo. Vou tirar uma bala e rodar o tambor. Vamo faze aquela brincadeira de - já quem por - quem sair premero mira na cabeça de quem ele quiser e dispara. Agora, vem a diferença, quem morrer ganha o jogo.

- Truta! Puta jogo cruel! Tô dentro e quero perder - Delira tuta sorrindo.

- Esse cara é sangue bão mano! Também tô nessa! E também quero perder. Se manifesta dedo mole.

- Então vamo lá! Vence quem morrer!

Os três riam sob o efeito da droga e da vida sem perspectiva.

Fú ganhou o direito de atirar. Pegou o revólver, apontou para o ouvido do dedo mole. Atirou. A bala não saiu. Agora, a vez de dedo mole.

Quando ia rodar o tambor tuta segura a mão do amigo:

- Deixa que eu rodo o tambor. Se você me escolher terei mais chance de perder este jogo. Tuta pegou a arma, rodou-a nos dedos, entregou para dedo mole. Este pegou e apontou para a nuca de Fú e disparou. A bala se alojou na cabeça de Fú. Morte instantânea. Só que, enquanto o corpo ainda caía, várias rajadas de metralhadoras perfuraram as madeiras podres do barraco e acertaram dedo mole e tuta. Os três não sabiam que uma blitz acontecia na favela. Os policiais ao ouvirem o disparo revidaram a esmo. Imaginaram estar sendo recebidos a bala.

Os três venceram sem saber.

Você leitor pode ir entregar o troféu?

Enquanto a baderna, de mãos dadas com a intolerância, viviam seus melhores momentos na favela, na periferia, os quatro adolescentes insistiam e viajavam no absurdo.

- Quem sabe nadar? Perguntou Beto

- Eu não sei, disse Chico.

- Eu também não - falou gaúcho e perguntou - e você Beto?

- Nunca aprendi.

- Também não sei - falou Maneco.

- Que tal a gente fazer um joguinho manero? - perguntou Beto.

- Que jogo? - Gaúcho se interessou.

- A gente cai na água e quem ficar vence!

- Caralho Beto! Que radical!... mas também não deve ser muito difícil nadar!

- Eu topo! Falou Maneco.

Todos concordaram que nadar não era difícil. Seguiram, então, para uma lagoa próxima do bairro. No dia seguinte o bombeiro retirou os corpos dos jovens que, segundo as fofocas, estavam se drogando e caíram na água. Os quatros venceram, mas não sabem.

Você leitor quer ir avisá-los?

Já na atlética, o bando de velhos se desafiavam. Queriam provar que ainda existia resistência.

- Se vocês não acreditam em mim - dizia nonó - vamos fazer uma corrida de 200 metros com barreira.

- Eu tô dentro! - Entusiasmou-se Zizinho.

- Pode marcar meu nome ai também - Confirmou "seu" Djalma.

- E você Antônio? - pergunta nonó.

- Claro que vou! Sou o mais novo.

Os coroas armaram as barreiras na pista. Transeuntes olhavam sem entender o que acontecia. Os velhinhos fizeram aquecimento. Se emparelharam. Nonó disse:

- Vou contar. No três partimos. Um...dois...três.

Partiram os quatros e já na primeira barreira todos caíram. Gemiam.

O nonó teve traumatismo craniano. Zizinho quebrou o fêmur. Antônio fraturou a bacia e seu Djalma quebrou os dois braços. Três estão internados na UTI. O nonó ganhou e não sabe. Mas não se preocupe leitor, Zizinho vai informa-lo em breve.

No "Sepulcros Bar Beer" a noite chega. Os três classes médias estão mamados.

Jota Alcântara não se conforma com a derrota do brasileiro:

- Cara bundão! Eu proponho uma luta diferente para nós.

- Uma luta? - Estranha Junior.

- Sim, uma luta diferente - Jota coloca as mãos no peito.

- Se for diferente eu topo! Confirma Leonardo, já com as pernas bambas.

Os três em estado deplorável. O álcool consome a razão.

- Vamos ao banheiro - explica Jota Alcântara - ficamos os três em volta do vaso sanitário, apagamos as luzes e, no escuro, trocamos porradas. Quem for nocauteado vence.

- Tô aí nesse jogo... gostei! - Tropeçando nas palavras Junior.

A luz foi apagada. As pancadas feriam. O sangue escorre. Num determinado ponto desta violência os três resolveram dar cabeçadas.

Escutou-se o baque seco de corpos caindo. Dois foram internados com traumatismo craniano na UTI, Jota Alcântara mandou dizer, lá de cima, que não sabe quem ganhou e pediu para você, leitor, levar o resultado. Pode ser?

             Na vida há competições que é melhor não participar.

Davi Antunes
Enviado por Davi Antunes em 20/06/2013
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