SABIÁ NA JANELA
 
                                        
Vem sabiá, vem. Canta aqui pertinho. Lembra quando ele ligava o som naquela altura? Pois é. Nem ele nem eu ouvíamos o teu cantar. E não era por falta de pedido.

— Filho, baixa o volume. Vais ficar surdo.

Nem me ouvia, ou fingia. Depois, cansei de reclamar. Somente quando arrancava o carro, também com a música a mil, é que nós podíamos nos ouvir.  Ainda assim, você nunca deixou de vir aqui, de cantar para nós, não é mesmo?

Faz tanto tempo. Olha. Este aqui é o violão que ele se punha a dedilhar por algumas horas, quando cessava a agitação. Um dia, surpreendi você a espiar no parapeito, em silêncio. Acho que também gostava de ouvi-lo. Naquele momento, meu filho parecia dócil, centrado, equilibrado, o mesmo menino da infância. Depois, meu Deus, como as coisas mudaram. Nossas almas se separaram. Já não mais conhecia o meu garoto. Sabe, às vezes, tinha medo.

Este era o conjunto de surfar, outro motivo para preocupação. Fui vê-lo somente uma vez. Aquilo era loucura. Quanto mais agitado o mar, mais feliz  ficava. Quando se perdia na onda, e eu não conseguia avistá-lo, meu coração parecia estourar. Por isto, não fui mais. Ficava em casa, ansiosa.  Essas fotos são lindas.  E este blusão, mesmo depois de todos esses anos, ainda sinto o perfume.

Canta mais um pouco, não se incomode com o falatório. Hoje faz aniversário. Acordei assim, melancólica. Não é tristeza, não. Saudade, talvez. Não, não fuja. Não vou chorar, pode ter certeza. A fotografia dela. Muitas vezes, tive ganas de rasgar em mil pedaços, pôr no vaso e dar descarga. Mas ele gostava tanto dela. Então, vou deixando por aqui. Ela foi a culpada, ninguém me tira isto da cabeça. Mas fazer o quê?

Veja. Esta camiseta foi presente dela, de aniversário, depois do noivado. Ficou puída, de tanto usar. Muitas vezes, quando abro a porta deste quarto, ainda escuto a voz dele.

— Deixa eu dormir, pô. Não faz barulho. Sai.

Você lembra? E eu saía, cabisbaixa, com o rabo entre as pernas, como um cachorro escorraçado. Foi uma fase difícil. Sabiá, onde está você? Não me deixa. Coitado, foi cantar em outra freguesia. Mas não importa. Falo sozinha mesmo. Já me acostumei. Todos os dias faço a mesma rotina, entrando neste quarto e acariciando cada objeto, cada roupa, cada livro. Parece que estão impregnados com energia dele, que cada um conta uma história, como se fossem vivos. Não choro mais, porque fiquei seca, perambulando pela casa como um vampiro. Um dia, ele virá me buscar.


Estou pronta. 


 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 19/06/2013
Reeditado em 21/06/2013
Código do texto: T4349732
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