Um palco ao ar livre
Era o horário do recreio, estava conversando com uma amiga até que uma garota vem nos chamando, parece que tinha acontecido algo, nós acompanhamos ela até a quadra e chegando lá me dei conta da situação: Uma coruja machucada. A coruja de cor marrom lembrava a madeira de uma árvore seca, ela estava em um buraco da grade que cercava os muros da quadra, tentou bater as asas, mas não conseguiu voar, nesse momento os alunos que observavam se assustaram, alguns se afastaram e chegaram a gritar pelo simples e belo bater de asas. Um garoto que parecia ser mais jovem que eu se aproximou da coruja com algo na mão, pelo jeito um pequeno pedaço de madeira e jogou com intenção de acertá-la, ele conseguiu, porém não parece tê-la machucado mais, ele me deixou indignada e furiosa com aquilo, não esbanjei uma reação, mas gostaria de ter lhe dado um empurrão ou um tapa, tive vontade de agredi-lo e quem sabe depois perguntar: " – Viu como é bom?’’.
Eu, eu não posso entender o que aquele garoto tinha na cabeça pra fazer aquilo, tão pequeno, tão miúdo e com aparência de criança já é tão cruel a ponto de querer fazer mal a uma criatura que se encontrava em uma situação de perigo. Imagino se naquele momento ela saísse voando em direção a ele, arrancasse um de seus olhos e lhe fizesse viver a vida toda com aquela cicatriz, talvez um dia ele acordasse e pensasse: " – É a natureza se revoltando.’’ Chamaram a ambulância, o garoto grita agonizando de dor e a coruja só assiste enquanto bate suas azas, ninguém consegue tocar no garoto, ele não para de espernear e gritar, não tira as mãos já envoltas por sangue do rosto, pobre garoto, clamasse agora por perdão.
Os bombeiros chegam, dois deles colocam o garoto em uma maca e o levam rapidamente para a ambulância, a coruja agora já desapareceu mas o garoto grita por uma dor que não tem fim. Quando chegam ao hospital o jovem é levado para uma sala, recebe uma anestesia e só então os gritos se calam. Quando acorda ele começa a estranhar o ambiente, seu coração está acelerado e ele sente algo sobre o lado direito de seu rosto, são faixas de esparadrapo, elas estão presas com fita crepe, o garoto olha pro seu lado esquerdo e lá está uma enfermeira, ele pergunta: " – O que aconteceu com o meu olho?’’, a enfermeira com uma expressão de descontentamento responde: " –Sinto muito querido, fizemos o que pudemos, mas infelizmente você perdeu o olho.’’ O garoto tenta chorar, mas começa sentir dor, ele não quer ficar sem um olho, ele não se imagina assim. Entra sua mãe no quarto, ela olha seu rosto, o acaricia e não consegue segurar as lágrimas. Ele vai ter que se acostumar com isso, ainda não há tecnologia o suficiente pra substituir um olho, ele vai ter que se acostumar e se adaptar as condições que o corpo oferece agora.
Depois que o garoto atira o aparente pedaço de madeira, ele se afasta sem se virar e esbanja um sorriso, a coruja continuou no mesmo lugar, não teve nenhuma reação. Ah, como eu queria tirá-la de lá, pegá-la em minhas mãos, levá-la pra longe dos monstros, mas eu não fiz nada que não fosse observar aquele olhos grande e amarelados. A coruja volta a bater as asas novamente, agora ela consegue sair e anda até um canto da quadra, a maioria dos que observavam se assustaram, mas eu continuei parada, apenas olhando. Um garoto joga uma bola para o auto em rumo a criatura, nesse momento algumas pessoas gritam: "Não!’’, felizmente, ela não é atingida. Dois funcionários da escola vão até a quadra e lhe pegam nas mãos, depois a retiram de lá. Agora o show acabou, o sinal bateu e ninguém mais ri da dor da coruja, apenas voltam pra sala, eu me sinto uma incompetente, vi pessoas abusarem de um animal indefeso e não fiz nada, eu devia ter pegado ela, levado pra casa ou mesmo pra um lugar que oferecesse tratamento a esses animais, devia ter cuidado dela, retirado-a daquele maldito palco infernal e depois entregar de volta a natureza. Mas, mas eu não fiz nada.