Rolando na bosta

Estou num hospital. Tomando alguma coisa na veia. Aonde eu estava antes? Na casa......Quarto coletivo. Tem uns dois dormindo do lado de lá. Talvez se conseguir levantar alguma enfermeira venha ver o que esta acontecendo. Não parece ser tão simples quanto deveria. Não tem botão nenhum aqui. Estou fraco. Droga! “Hey!” Falar é outra forma de chamar a atenção. Não saiu com muita força. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9.....”Heyyy!!!” Meu Deus! Acho que preciso de ajuda. Tentar gritar provocou uma reação adversa na minha garganta, que responde em forme de uma tosse arrastada e áspera. Alguém aparece por favor! Você! “Que hospital é este? Alguém me trouxe aqui?” “O Senhor esta na emergência, e foi encontrado caído na rua em coma alcóolico. Tem alguém que o Senhor gastaria que avisássemos?”

Havia algumas pessoas que poderiam ser chamadas, mas não sei qual delas queria este fardo. Respondi que não. Um velho do tipo seboso que dizia ser médico encostou ao lado da maca. Com um sinal de cabeça dispensou a moça e me olhou com cara de saco cheio. “O Senhor chegou aqui desacordado. Depois acordou tendo delírios. Tentou agarrar uma enfermeira, e me agredir. Seus exames apontam altos índices de álcool no sangue, além de cocaína. Você tem para onde ir? O que devo fazer?” Foi muita informação ao mesmo tempo. Só consegui entender a última pergunta, o resto me pareceu meio desconexo. “Acho que mais nada. Obrigado por tudo e desculpa se tentei te bater.” Respondi enquanto mexia na agulha de um dos braços. A enfermeira apareceu e me desconectou. O seboso ficou me olhando um pouco desconcertado, outro pouco indignado. Assinei os papeis, peguei minhas coisas e saí.

Eram quase sete horas da manhã. Chamei um taxi e fui para casa. Peguei um copo de coca-cola, uma baseado e sentei no sofá. Liguei a televisão em um seriado qualquer e caí no sono. Acordei assustado com a campainha tocando estridente. Abri a porta na esperança de alguma explicação sobre as dores e as marcas no corpo. “Aonde você foi? Ficamos te esperando mais de duas horas! O que aconteceu com você?” “Não sei. Não sei.” “Era só para você buscar a pizza!” “Não estou servindo nem como entregador. Quer um pega?” Saquei um baseado para tentar descontrair. “Não! Você precisa parar com isso. Ficamos todos preocupados. Você não vê os recados na secretária eletrônica?” “Aonde era a pizzaria?” “Estou em horário de almoço, você tem alguma comida?” “Eu diria que sim, talvez alguns que não. Fique a vontade.” Tinha pão, manteiga, queijo, coca-cola e chocolate.

Depois que ela saiu não tinha mais chocolate, coca-cola e nem notícias sobre a noite passada. Fui para cama tentar recuperar a memória. Abri a porta e alguém estava dormindo em baixo dois meus lençóis. Parei por uns segundos e pensei que não queria saber quem estava ali. Não queria que tivesse alguém ali. Não queria mais saber sobre a noite passada. Queria que nada disso estivesse acontecendo. Queria não precisar querer nada. Apelei. Abri a janela e deixei o sol do dia raiar no meio do quarto empoeirado. Os cobertores se retorceram acompanhados de um ruído. Cabelos retorcidos surgiram de lá de baixo. Ela me olhou com uma estranheza semelhante a que eu olhava para ela. “Bem-vinda ao meu quarto.” “Quem é você?” “O dono da cama. E você?” “Alguém que você encontrou ontem a noite.” “Como eu fui parar no hospital e como você veio parar na minha cama?” “Você me trouxe aqui. Depois saiu para comprar mais bebida. Voltou agora, com cara de quem já tomou tudo.”

Descemos do quarto e ela fez um café. Comemos um pão com um resto de queijo. Ela falava que nunca tinha visto uma casa com tanta poeira e tão desorganizada. Não respondia, torcendo para ela ir embora o mais rápido possível sem me pedir dinheiro. Demorou mais do que eu gostaria, mas ela partiu sem me assaltar. “Você não parece bem. Tente dormir um pouco. Deixei meu número do lado do telefone. Me liga para terminamos o que não começamos ontem.” Tranquei a porta. Olhei o banheiro e a lavanderia para me certificar que não tinha ninguém dormindo por lá. Tirei o telefone do gancho. Sem recados para não olhar. Amacei o papel e deixei no cinzeiro. Voltei para o quarto, tirei uma garrafa de whiskey barato debaixo da cama, acendi um cigarro e sentei. “Talvez não devesse mais sair para buscar nada.”