Aposentadoria da Beth
 
- Eu quero comer aquilo...
- Diga, mamãe, é macarrão?
- Não, quero comer aquilo...
- Ah, já sei, quer comer no restaurante à quilo...
Ela aumentou a sua voz e respondeu irritada:
- Não, você não me entende!
- É verdade, não estou entendendo, o que é aquilo que você está dizendo, mamãe?
- Eu não disse nada, você é que está dizendo, pare de me atormentar!
- Tudo bem, mãezinha, não precisa de ficar nervosa...
- Eu não estou nervosa, você é que me deixa nervosa, pare de me fazer perguntas...
Beth já estava perto de um colapso nervoso, não tinha mais como dialogar com sua mãe, ela se esquecia de tudo e queria que a filha adivinhasse o seu desejo, e se não soubesse, ela se irritava. Essa transformação se deu desde que Beth havia se aposentado. No primeiro dia da sua  aposentadoria, ela ainda se lembrava bem,  a mãe ficou circulando no apartamento somente de calcinha e sutiã. Logo ela, uma mulher toda recatada e ciosa dos costumes...  Quando Beth lhe perguntou porque estava assim, ela lhe respondeu de forma irritada:
- Porque você também não faz como eu ?
 - Mamãe, você está com calor?
- Não, eu estaria se estivesse de roupa, como você...
- Porque você não veste sua roupa e liga o ventilador?
- Porque você não toma conta da sua vida?
- ( Será que me aposentei para isso?), pensou Beth.
A sua mãe era relativamente nova, não fazia muito tempo chegara aos sessenta anos, tinha uma vida saudável, escolhia sempre os alimentos que usava, gostava de comer muitas frutas, peixes e não comia carne vermelha. Sempre saía, era ela quem fazia as compras da casa, conhecia toda a vizinhança, vivia uma vida pacata e rotineira. Fazia pequenas viagens e vestia-se com esmero, frequentava sempre as missas das nove horas aos domingos.
Beth havia feito a programação para quando se aposentasse, pudesse viajar acompanhada pela mãe, afinal eram boas companheiras, mas mal acabara de se aposentar via que repartir o espaço diário com a mãe estava sendo difícil, ela havia se modificado muito nos últimos tempos. Em seus planos estava visitar Portugal, levar a mãe até Vila Nova de Gaia, lugar onde nascera, tendo vindo para o Brasil aos três anos e depois não voltado para conhecer sua terra e seu maior desejo era conhecer o Portugal em que havia nascido. Desde que ficou viúva ela falava nisso, mas não se animara a viajar sozinha.
Certa vez, Beth lhe perguntou:
- Porque você não viaja para Portugal em uma excursão ? Dinheiro não lhe falta...
- Vou esperar você se aposentar, assim vamos nós duas juntas, quem sabe, você não se arranja com um português por lá?
- Esquece isso, já me acostumei a viver sozinha, não será agora que irei lavar as cuecas de um gajo...
Beth saiu de casa preocupada, foi fazer o pagamento do condomínio e comentou com a síndica , que lhe disse:
- Ainda ontem também falei com dona Dulce, que havia algo estranho com a dona Mariazinha. Eu a encontrei no quarto andar a forçar a sua chave na porta do apartamento da dona Alzira, e quando a questionei  ela me afirmou:
- Eu moro aqui...
Seria bom, Beth, você levá-la ao médico...
- É o que eu vou fazer...
Na sala de espera haviam mais de dez pessoas, entre clientes e acompanhantes, e as consultas eram demoradas.
- Eu não tenho nada, que mania você tem de ir à médico, agora quer que eu também vá... Sempre esbanjei saúde, e isso aqui é pior que INSS, veja quantas pessoas estão na nossa frente.
- Fala baixo, mãezinha...  Calma dona Mariazinha...
Então ela falou mais alto ainda:
- Eu não tenho nada, se demorar vou embora!
-Calma, mãe, já vai ser atendida...
Quando ela já ameaçava sair, o médico abriu a porta:
- Vamos entrar... Deixe que quero falar a sós com ela.
Mesmo na ante sala Beth conseguiu ouvir:
- Como é mesmo o nome da senhora?
- Meu nome está ai na ficha.
- Mas qual é mesmo, eu quero conferir...
- Leia e me pergunte...
- Tudo bem, dona Isaura, é esse o seu nome?
 - É sim senhor...
 - Onde a senhora mora?
- Na minha casa, ora...
- Mas em qual rua?
- O senhor está querendo saber de mais...
- Será que a senhora não se esqueceu, dona Isaura?
- Eu acho que o senhor está ficando maluco, eu não me chamo Isaura...
- Então qual é o seu nome?
 - Está ai na ficha...
- Aqui está Isaura, é esse o seu nome?
- Eu já lhe disse que o senhor está ficando maluco?
O médico disfarçou e mandou que Beth entrasse, enquanto dizia para a sua mãe:
- Tire os sapatos e suba na balança, por favor!
- Eu não vim aqui para me pesar, eu só me peso na farmácia...
- E qual é o seu peso?
- Não lhe interessa, eu não vou querer fazer dieta.
- Tudo bem, dona Isaura, não precisa se pesar...
- Quem é Isaura? O senhor quer me confundir? A Isaura mora no terceiro andar, eu não sou a Isaura, me entendeu ?
Dona Beth, vou receitar uns remedinhos para ela, pede para ela ficar na sala de espera, um minutinho só, por favor...
- Mãezinha, vamos para a sala, é só um pouquinho...
Beth voltou e o médico lhe entregou um longo pedido de exames, e lhe disse desconfiar que ela estivesse com o Mal de Alzheimer...
- Se assim for, dona Beth, para o seu bem e o bem dela, procure uma casa de repouso especializada, porque senão, em pouco tempo eu terei de tratar dela e também da senhora...
Foi com o coração na mão que na semana seguinte Beth saiu para procurar uma casa de repouso para sua mãe...