<> O GANSO QUE DANÇAVA SAMBA <>

Nos anos 60, o arraial de Brejo Seco era a vanguarda do atraso. Médico, dentista, saneamento, tudo era luxo de cidade grande. E foi lá nesse grotão de Minas que nasceu e morreu a figura do Quintino.

Ler não lia, escrever não escrevia. Quando ele se dizia “semi-alfabetizado”, já soava como "ostentação". E assim, sem recurso e sem preparo, ele enfrentou e venceu, um a um, todos os desafios da vida. Orgulho e sem mentir, ele contava que pouca coisa ele comprou na venda, além de sal e querosene. Machado, foice, enxada, facão e todos os instrumentos para a labuta na roça, ele os fez em sua forja rudimentar. Calçado ele usava uma alpercata feita com pneu e tiras de couro (precursora das havaianas). Em sua pequena propriedade ele plantava de tudo. Era um exímio caçador. Certa vez construiu até um violão com uma madeira macia (cedro), que ele mesmo tocava aos cânticos brejeiros. Aprendeu a fazer arreio, carroça e até móveis.

Quer mais? No dia do casamento de sua filha caiu um aguaceiro medonho, e sem estrada, não teve Padre. Então Quintino, como um teólogo empírico, subiu ao altar da Capela e tomou a palavra. Com as mãos sobre as cabeças dos nubentes, recitou: - Rogo a Deus que abençoe a união deste casal, coroando de felicidades suas vidas, pois essa é razão única da nossa existência terrena. Assim, respeitosamente, e em nome de Deus, eu os declaro marido e mulher. Amém.

Mas foi quando a velhice lhe roubou as forças para o trabalho que Quintino se superou: Comprou dois tambores de querosene vazios. Colocou um ganso dentro com uma lamparina embaixo. A medida em que o tambor esquentava a pobre ave, que não poderia voar, só fazia toar de patas meio desengonçada, dando a impressão de que rebolava. Enquanto isso ele rufava o outro tambor. Com paciência de Jó, repetiu o ato tantas vezes que por fim bastava rufar o tambor que o velho ganso gingava no terreiro como uma mulata de Escola de Samba. A fama da dupla se tornou presença obrigatória em qualquer evento. E rendia um dinheirinho bom.

Até que um dia o ganso, já velho, morreu. Seis meses depois o Quintino também se foi, levando consigo o segredo do GANSO QUE DANÇAVA SAMBA.

Valeu Sr. Quintino. Descanse em paz.