Um elevador na minha vida

Quanto mais eu vivo, mais me convenço que as pessoas são um enigma que podem ser decifradas por quem a isto se propor.Cada ser vivente possui os seus sonhos, seu destino, e as suas preferências.Eu, por exemplo, tenho um gosto que me parece ser pouco usual: adoro andar de elevador.Tem coisa mais prosaica do que um elevador?Subir e descer dentro de uma caixa estreita, sem horizontes, tendo só duas direções opostas.Tudo sem grandes emoções, mas, como não sou chegada a sentir aquele friozinho na boca do estômago, ou sentir a adrenalina disparada, até que está muito bom. Elevadores são tranquilos na sua rotina, e por isso eu escolhi morar no 25º andar de um prédio, e, assim, passar mais tempo dentro de um.Moro em uma linda cobertura que tem uma vistas maravilhosa, e isto me da muita satisfação, pois, enche os meus olhos de luz.Sou uma aposentada de posses, porém, sem ilusões ou expectativas.Tudo o que eu podia esperar de viver já faz parte de um passado.Agora, eu faço o meu caminho e só imagino a vida, não a minha própria, mas a vidas dos outros, e, para isso, nada melhor do que estar em um elevador.Nele, encontramos pessoas em um momento de aproximação física, sem um contato maior, nada que possa nos magoar, e fico imaginando como serão aquelas vidas?Estudo a personalidade de cada um no momento fugaz de uma subida ou descida. Pode parecer pouco , mas preenche o meu vazio de alma.

Eu tenho as minhas simpatias ou antipatias pelos moradores.Acho legal quando me encontro com a mulher do 8º andar.Ela não é bonita de rosto, mas tem aquele tipo que os homens classificam de "gostosa".Corpo tipo violão, como se falava antigamente.Ela se veste de uma maneira vulgar, com saias curtas e calças apertadas, e não dispensa os saltos altíssimos,e eu confesso que cheguei até a comprar um par para mm, como ela tem um, só que, na primeira vez que o calcei, levei um enorme tombo, claro que, nunca mais usei e ele está até hoje guardado na sapateira, como recordação do meu ataque de juventude perdida.A mulher se chama Dora, e por isso, sempre que o cara do 7º andar , um simpático coroa, se encontra com ela , começa a assobiar uma antiga música do Dorival Caymmi, e ela fica encantada com isso.

Tem um outro cara metido a sebo, este mora no 20º.É um rapagão bonito, e que parece que não faz mais nada neste mundo do que malhar e se exibir.Ele moras com uma mulher bem mais velha, assim um tipo de executiva bem sucedida na vida, muito elegante e altiva.Muito charmoso é o senhor do l0º.Alto, cabelos branqueando nas t êmporas,ar de gente importante.Pena que ele é casado com uma perua de nariz em pé, e que só se digna a dar um ligeiro cumprimento com a cabeça, quando encontra com outro morador.Antipática ao extremo, e pior isso, eu acho até bom de já ter visto várias vezes , o seu maridão , dar uma passadinha no andar da Dora, e, o mais engraçado é que eles nem se falam quando se encontram no elevador.

Não gosto nem um pouco da mocinha do 6º, ela até que é bonitinha, anda muito serelepe esbanjando a juventude, mas, quando me encontra, vem logo me chamando de tia , com uma intimidade que eu nunca dei, e, o outro dia veio me falar que eu lembro muito uma tia avó dela.Atrevida!No 1º andar tem uma senhora aposentada feito eu, e a diferença é que ela não vive só, tem uma família, filha, genro, dois netinhos lindos eo seu "velho", como ela fala, que vive sempre de bermudas, tênis, eoculus escuros.Os dois gostam de andar de mãos dadas, assim como jovens namorados.

De todos os moradores do meu prédio, o que mais me dá prazer de encontrar é a Anastácia do 24º.Nome de princesa que ela ou melhor, ele escolheu .No dia a dia, ela é discreta, mas em dia de festa, ela arrasa, é "paillete" para todos os lados.Está sempre feliz esta plebéia-princesa, e transmite sua alegria a todos.Ela até que é querida no prédio.Muitas vezes, Anastácia me interfona que vai sair, e, assim descemos juntas no elevador.Ela fala que eu a faço lembrar, não a tia-avó, mas a sua querida madrinha que a criou, e me adula muito por esta suposta semelhança.

No meu prédio tem tambem um andar cheio de sombras.Há muitos anos, foi palco de m crime passional, e, desde então, ninguem voltou a morar ali, dizem que, vultos escuros já foram vistos no corredor.A família só faltou emparedar a porta.Sempre que eu passo pelo andar, me benzo.Tem vezes, que eu fico só no elevador e me sinto triste na solidão da caixa que sobe e desce.Começo a pensar em coisas que não gosto, no que podia ter sido e não foi.Cada piso tem a sua história, e eu, na verdade, habito todos os andares, sei de tudo e de todos, embora, não tenha sabido conduzir o meu destino.Faço da vida dos outros um pouco da minha, sou como uma vampira de almas, no vazio da minha vida.

lucia verdussen
Enviado por lucia verdussen em 10/06/2013
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