Os Santos Populares
Segui-te. Da porta do bar a outro bar. A outro ainda. Ali a cidade tinha febre. Música, cantorias avinhadas, luz que jorrava de portas e janelas, gente que ia, vinha, parava. As conversas gesticuladas misturavam-se aos gritos e a cidade, naquele ponto daquele bairro, purgava-se de dores, desânimos, frustrações. Fervia. Ao fundo, num andor inclinado, entre miseráveis flores de plástico mal se distinguia o Santo meditabundo que motivara o ajuntamento, as sardinhas assadas, as saladas com pimentos, as canecas de barro com vinho, aquela alegria estranha, uma certa avidez de pendor sexual e uma generalizada ânsia de encontrar razões, de aceitar apertos, de procurar. O quê? Quem? Vi-te segurar a caneca e beber, de uma só vez, a cerveja. Na pressa, deixaste-a correr pelo queixo e ensopar a camisa aberta.” Merda”, disseste. Estendeste a mão cheia de moedas e a mulher que estava atrás do balcão retirou as que bastavam para pagar a despesa. Saíste para o Largo já tonto. Ela chegou a tempo de te ajudar a galgar os degraus da escada. Decidida, firme, silenciosa. Desapareceram ambos pela porta do pátio interior e eu subi para o meu quarto no primeiro andar do mesmo velho edifício. Não houve nem palavras azedas, nem protestos. Imaginei-a a despir-te a roupa, a reclinar-te na cama. Depois, ela apareceu à janela e gritou para alguém na rua: “ Não vamos. O Zé chegou doente… e não pode ir ao ensaio geral da marcha. Pede desculpa ao Ambrósio”. Encostou a janela, cerrou as cortinas de renda e baixou a luz. O Santo continuava a olhar os homens com a cegueira do barro.