Sobre Cães, Gatos e pessoas - crônica

Muitas vezes quando criança e mesmo depois, já adulta, ouvi pessoas louvando os cães e denegrindo a imagem dos gatos. Os cães são apresentados como os amigos perfeitos, que têm um amor incondicional pelos donos, enquanto os gatos são mostrados como interesseiros, oportunistas e até mesmo cínicos, se é que isso seja possível em algum animal; acredito que não. Já vi muitas interpretações sobre a “personalidade” dos gatos e dos cães e confesso que muito pouco do que li a respeito se aplica aos animais que passaram por nossa casa. Tivemos gatos, cães, codornas, um periquito aleijado. –não me peçam que o chame de periquito com necessidades especiais- E todos eles, cada um deles, tinha uma “personalidade”. Tivemos gatos dóceis e carinhosos que adoravam colo. Tivemos gatos bravos e irritadiços. Assim como cães diferentes uns dos outros. Mas quero falar sobre uma gatinha.

A gatinha não ligava muito pra mim, mas quando minha mãe saia, ela dava longos miados como se sentisse uma dor enorme. Depois de um tempo, já conformada, deitava numa poltrona antiga que fica na sala e dormia tranquilamente. Mas pouco antes de minha mãe voltar, uns dois minutos antes, ela acordava e ficava sentada olhando para a fechadura da porta. Pude notar isso muitas vezes e nunca consegui entender como ela sabia que a dona estava chegando. Confirmei isso várias vezes também, ao abrir a porta e olhar a rua. Minha mãe descia a uma distância de uns cinquenta metros e a gata sabia disso. Quando abria a porta ela saia correndo e ia se esfregar nas barras da calça dela e as duas entravam em casa. Não sei como dizem que um animal destes não tem sentimento ou amor. Como então conseguem distinguir a grande distância, o som dos passos do dono ou sei lá o que distinguem...

Minha mãe sabe falar com os animais. Não é exagero. Sabe sim. Fala numa voz de falsete, da maneira como a maioria das pessoas conversa com crianças, e os animais entendem. Quem quiser não acreditar não acredite. Mas já vi isso com outras senhoras que falam com seus bichinhos e parece que eles sabem o que elas dizem. Ontem Cotinha, nossa gata foi atropelada. Já tínhamos previsto isso porque ela gostava de ficar na garagem de casa observando os pombos na calçada do outro lado da rua. Nessas horas ela se agachava, juntava as patinhas da frente e a gente podia ver o movimento de seus “ombros” calculando o ataque. Em seguida avançava e quase sempre pegava as pobres aves, mas estas, por serem grandes, acabavam conseguindo escapar. Nesse sábado saí de manhã pra comprar pão e vi Cotinha rolando no chão como os gatos gostam de fazer. Estava quase no meio da rua, corri para afasta-la dali, mas quando cheguei mais perto vi a poça de sangue ao seu redor. Não me importei com aquilo, nunca tive medo disso. Peguei a gatinha com o maior cuidado que pude e levei pra casa. Não adiantava mais. Ela se contorcia enquanto tentava se coçar com a patinha traseira, mesmo morrendo. Apertei-a junto ao peito com suavidade e senti o calor do sangue que jorrava por um dos olhos arrancados e pela boca encharcando minha camiseta. Foi uma das piores coisas que já vi e senti, assim como o desespero e a tristeza de minha mãe de setenta e dois anos.

Quando estava levando a gata no banco traseiro do carro, embrulhada numa toalha, lembrei que ha umas duas semanas, uma amiga de minha mãe, ainda jovem, estava em casa com seu filho de cinco anos. A criança estava fascinada pela gatinha e tentava mantê-la no colo, o que era bem difícil. Então a mãe disse:

__Não fica se apegando a esse bicho, que esse bicho não gosta de ninguém.

Quase respondi alguma coisa. Nunca gostei daquela mulher carregada de bijuterias e de cara excessivamente pintada, ameaçando surras e castigos à criança o tempo todo. Não sei com exatidão o que teria falado naquela hora. Mas sei de uma coisa; mesmo nos animais “geniosos” que tivemos, eu vi muitos sinais de amor em seus olhos. Sinais que raras vezes encontrei em seres humanos. Nunca acreditei em almas, paraísos ou lugares pra ir depois da morte. Se existir, certamente não é pra nós. Se existir é para os animais. Se já vi alguma vez sinal de "alma" desinteressada e bondosa, em alguma coisa, vi nos olhos deles.

Diana Key
Enviado por Diana Key em 26/05/2013
Reeditado em 27/05/2013
Código do texto: T4309586
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