O FISCAL DA FAZENDA
Em toda fazenda de café, além do dono, que lá morava, havia o administrador e o fiscal, que corria a lavoura e controlava os trabalhos dos empregados, horário, qualidade do serviço e produção.
Fui criado na Fazenda São Paulo em Presidente Alves/SP, onde o dono morava embora possuísse outras propriedades. Era uma espécie de matriz, onde seu Antônio Rosa, trabalhou como fiscal por mais de trinta anos na mesma função.
Seu Antônio morava numa casa de tijolos, um pouco afastada das colônias; no quintal ao lado de sua casa tinha um poste com um sino, que era tocado de dentro do quarto e toda noite às 9 horas soavam nove badaladas; era um sinal de silêncio, hora de ir descansar para enfrentar o trabalho no outro dia. Isso só não acontecia nas noites de sábado ou véspera de dia santo. Ainda no quintal tinha um poste de energia elétrica com a chave das colônias que ele ligava ao escurecer e desligava ao clarear o dia antes de sair para lavoura; somente aos domingos e dias santos a energia ficava ligada durante o dia.
No início da década de 1950, quando ele veio morar na fazenda, como era muita lavoura para correr, pois a fazenda era grande; ele andava num cavalinho branco. Depois, com o passar do tempo, parte da lavoura foi abandonada virando pastagens, já não precisava mais do cavalo e passou a correr o serviço a pé.
Era um homem criado na roça, quase um caboclo; leitura tinha pouca, apenas o suficiente para as anotações que sua função exigia, mas tinha um grande conhecimento dos trabalhos da fazenda e do tempo; era daqueles que tirava o chapéu, enxugava o suor do rosto com a manga da camisa, olhava para o tempo e dizia: “ Oia, de hoje pra manhã o mais tardá pra dipois de amanhã vamo te chuva” ; e dificilmente ele errava. Às vezes dizia:
“ Amanhã oceis tragam tamém enxadão, la pelas 3 horas nois acaba a carpa, ai vamo termina o dia rancando praga do café”. Ou dizia ainda “ amanhã por volta das onze horas nóis acaba a coeita. ” Era o conhecimento adquirido com a prática de muitos anos de trabalho.
Dependendo do serviço que a turma estava fazendo, mudava a ferramenta que ele carregava correndo os eitos; se era carpa, vinha com um podão (pequena foice), ou um enxadãozinho, se era derriça de café, carregava uma vara para catar os grãos que ficavam esquecidos nos galhos do cafeeiro e quando era varrição, vinha com um rastelo e assim por diante.
Carregava ainda, no bolso da camisa uma caderneta, um lápis preso no bolso por uma presilha e uma borracha, para anotar a produção de cada um no dia de trabalho; chegava no eito, anotava o que tinha sido feito e aproveitava para prosear um pouco.
Seu Antonio era um contador de estórias: às vezes, á hora do descanso na sombra de uma árvore, pegava o canivete, cortava uma palha de milho, puxava do bolso um pedaço de fumo de corda, picava, desfiava bem e enrolava um cigarro comprido bem fininho, pegava a binga, acendia, dava uma baforada e dizia: “ quando ainda era moço la em Borborema aconteceu um causo assim ......”.
Era também católico fervoroso, sempre ia à missa aos domingos na cidade e, na sua casa, várias vezes ao ano tinha terço; tinha também muitos afilhados na fazenda.
Quando tinha jogo de truco na colônia, seu Antonio era um dos jogadores, tomava uns goles de cachaça e ficava animado; não era muito de bebida, bebia quando estava jogando e à tarde quando chegava da roça. Quando vinha passando pela colônia sempre um ou outro convidava. --- “Compadi Antonho, vamo toma uma cachacinha? --- Vô aceita um gole pra limpa a goela.
Durante a colheita, seu Antônio andava com uma buzina que ele tocava às 9 horas para o almoço, às 10 horas para voltar ao trabalho, às 13 horas para o café, às 14 horas para voltar ao trabalho e às 17 horas para ir embora ou para anunciar a chegada da sacaria que tinha ido para a sede no dia anterior cheio de café e voltava para a lavoura para serem enchidos novamente.
Eu comecei trabalhar na roça assim que terminei o 4º ano de escola., Cresci no meio da lavoura de café, trabalhando com meu pai e meu irmão mais velho, sempre sob as ordens do seu Antônio. Naquele tempo, os menores trabalhavam por produção junto com os pais ou, se era por dia, ganhava meio salário até os 16 anos.
Sempre havia muitos moleques na turma, e, de vez em quando, a gente levava alguma bronca; eu mesmo levei muitas, às vezes até sem merecer por causa dos outros, mas eu nunca respondi ou faltei com o respeito com ele, tanto que com o tempo ganhei a sua confiança e, com 18 anos, também fui fiscal de turma ao seu lado, um fiscal auxiliar às vezes na mesma turma ou com outra.
Hoje, quando penso no meu tempo da fazenda, minha infância e juventude, antes da decadência do café, lembro-me das muitas famílias antigas que lá moraram por décadas. Homens simples honrados que trabalharam a vida inteira na roça como meu pai e seu Antônio, que são para mim exemplos de honestidade e dedicação ao trabalho.