EM NOME DO PAI
Sentia o cansaço da procura de quase um mês que parecia uma vida. Cada beco, cada rua, cada rosto, até que “alguém” informou que conhecia um nas características procuradas. Valter sentiu a angustia de viver um mundo que até então não conhecia Gente, de todas as idades, amontoada, suja e entregue ao acaso.
- Por aqui... – Disse a voz fraca do “menino”.
Valter acordou para o presente. Entrou em mais um beco escuro que descortinou um bando de pessoas deitadas, cobertas com poucos panos num ambiente que mais parecia um chiqueiro de porcos. O tal “menino” tocou em alguns “corpos” até que um deles ergueu a cabeça com certa dificuldade. Um rosto sujo, barbudo e magro surgiu. O olhar era familiar. Valter se aproximou.
- Vitor.
- Pai...
Um silêncio. Lágrimas incontroláveis molharam o rosto cansado do pai daquele filho enquanto o corpo magro tentava se erguer do chão.
Mãos esqueléticas tentaram limpar a sujeira do rosto e a voz surgiu com mais força:
- O que faz aqui? Vá pra casa!
Valter ouviu. Não conseguiu responder. Ainda procurava o filho naquela... Naquela... “Coisa” a sua frente. Os olhos... Verdes como os da mãe... O porte, apesar de muito magro, ainda podia lembrar; a altura... “Meu Deus, é você” pensou.
- Vá embora!!! – Repetiu a voz embargada.
- Não, eu não vou.
- O que você quer?
- Você.
- Para com isso! Vá embora!
- Vim para te buscar.
- Eu não quero... Vá embora!
- Vamos pelo menos tentar...
- Tentar o quê? Brincar de pai e filho? Ora pare com isso... Você perdeu o tempo... Não agiu quando poderia.
- Não sou parte de suas escolhas...
- Claro que é... Onde esteve quando precisei?
- Próximo. Mas respeitando você como um homem.
- Ta certo, então continue respeitando e vá embora.
- Você está doente.
- Me deixe morrer aqui.
- Não posso...
- Pode sim! Vá embora!
- Não posso...
- Por quê?
- Porque você é meu filho.
- Não! Eu não sou seu filho, eu fui...
- Não! Apesar das suas escolhas, você é meu filho!
- E quando você foi meu pai? Quando esqueceu de momentos importantes da minha vida. Eu esperei. Esperei. Na formatura, no futebol, nas mudanças de faixa e...
- Eu não compareci.
- Sim cara! Nunca foi em nada...
- Para que você tivesse tudo!
- O quê?
- Cada etapa, cada conquista, cada oportunidade... Custa algo para alguém meu filho...
- Sempre?
- Sim... Sempre.
- Por que você me deixou?
- Eu não te deixei... Eu me separei da sua mãe.
- Me deixou.
- Não.
- Senti sua falta!
- Eu sinto a sua falta.
- Por quê?
- Eu e sua mãe não nos amávamos mais. Foi uma atitude de respeito.
- Não pensaram em mim...?
- Sim. Pensamos. Por isso tentamos tantas vezes.
- Você disse que sente a minha falta.
- Sim. Por isso vim até aqui. Neste inferno. Te buscar.
- Eu... Já não posso.
- Pode sim!
- Sou uma vergonha... Me deixe.
- Você é meu filho.
Os dois se aproximam. Os olhares se encontram. De repente, dois vultos surgem na escuridão. Ambos armados apontam para Valter. Um deles pergunta:
- Você é o pai deste maluco?
- Sim. Vou levá-lo comigo.
- Levá-lo?
- Sim...
- Não... Não vai não...
Um sorriso...
- Ele deve muito dinheiro...
- Eu pago.
- É...?
- Pago!
Vitor está assustado. Acuado num canto. Valter sente o momento. O homem aproxima-se lentamente e diz:
- Você paga e eu perco um freguês?
- Você perde uma vítima.
- E você me denuncia?
- Não, eu só quero o meu filho.
O homem aponta a pistola e... Atira na perna de Valter que cai. Vitor corre até o pai, mas é impedido pelos traficantes que passam a espancá-lo. Valter ao ver a cena, levanta com dificuldades se joga em defesa do filho, é facilmente dominado e também passa a sofrer socos e chutes. Os dois sofrem com as agressões, até que os homens param. Um deles aproxima o rosto e diz:
- Quero o meu dinheiro.
Valter, com muita dificuldade, tira do bolso um molhe de chaves e entrega ao homem.
- Fique com o meu carro até que eu volte com o seu dinheiro, mas deixe meu filho ir. – O homem pega as chaves e as joga de volta:
- Não quero seu carro. Quero meu dinheiro. Mas pra você não dizer que sou um cara mau tenho uma proposta: Deixe seu filho aqui, vá e volte com o dinheiro e eu deixo seu menino ir. – Valter pensa, olha para o filho, machucado e desacordado no chão e diz:
- Ele vai. Eu fico. – O homem olha assustado e responde:
- Este viciado não vai voltar...
- Eu corro o risco. Quero meu filho fora daqui. Livre. Até para escolher não me retribuir, mas livre!
O homem concordou com a cabeça. Foi até um canto, pegou água, jogou no rosto de Vitor o colocou de pé. Vitor olhou para o pai que sorriu de volta.
- Pai!
- Filho, vá... Você está livre!!!!
Vitor saiu em disparada sumindo no beco, enquanto Valter sentia o peito arder de amor.