Libertação
Quando as palavras morreram na tua garganta e as que te brotavam das mãos eram paradoxais e estranhas, sem sentido, adivinhaste que, aquela doença, te fecharia todas as portas do mundo. E assim foi. Sobravam-te, íntegros, os olhos. Quando pousavas o negro deles em mim, uma mágoa ficava assim, a escorrer-me pelo rosto como um choro manso. Os dias estenderam-se, longos, mas os rituais da tua crescente ausência tornava-os monótonos. Estavas num campo de silêncio e tudo o que dizias era pelo olhar parado. Ainda ficaste muito tempo assim, pedra com olhos, sem alma, sem destino. Vivi para te manter porque desaprendeste a fome, a sede, o medo... Da perturbação alucinada ao fim do poço escuro em que estavas o caminho foi áspero. Um dia, levantaste-te cedo e, sem aviso, atiraste-te para a rua. O olhar era o mesmo mas senti que estavas, finalmente, livre.