A Porta

Ela estava certa de que havia alguma coisa atrás da porta. Aquela velha porta cor mogno, cuja maçaneta já havia provado das mais variadas mãos - amigos, ex-namorados, diaristas, familiares…Tudo estava quieto ali dentro. A quietude de seu interior se assemelhava ao apartamento. Estava tudo estagnado, no exato lugar onde se encontrava há anos. O abajur encostado na televisão; o telefone de botões gastos; a cômoda empoeirada; os livros empilhados em um canto; a cortina florida um pouco aberta…Estava tudo sempre ali, como sempre esteve e sempre estaria.

Às vezes ligavam - embora na maior parte das vezes por engano - mas ligavam. Ligavam para pedir desculpas, para perguntarem sobre uma receita, para dizerem sobre coisas passadas…A luz da sala era fraca; o tapete encardido; o ventilador antigo. O penteado de Lúcia era sempre o mesmo, de vez em quando mudava a cor da tinta - ora preta, ora vermelha - não usava esmaltes. Não gostava de fazer compras. Extremamente apegada ao passado e apagada à vista das outras pessoas. Costumava andar pelas ruas passando despercebida, sempre pelos mesmos caminhos. Os velhos atalhos, que levavam aos velhos lugares.

Mas o fato é que naquele dia o vento soprava forte lá fora. Quem sabe eles não trouxessem algo novo? Talvez um sonho, ou um amor…Quem sabe? Talvez trouxessem aquilo que estava ali atrás da porta. Sim, havia algo lá fora, bem na porta. Algo que arranhava e fazia barulhos…Seria uma carta de um velho amigo? De um parente distante? Será que haviam se lembrado de Lúcia naquela tarde de ventania?

Foi a passos curtos até o fim da sala, com seus pés magros pelo tapete. Foi derramando pequenas gotas de seu chá pelo chão, tremendo levemente as mãos na ânsia de encontrar o futuro, o novo atrás da porta. Foi prendendo a respiração. Há quanto tempo não saía da rotina? Há quantos anos nada a interrompia na hora do chá? Poderia ser o destino, querendo também colocar as mãos em sua maçaneta.

Abriu devagar a porta. Nada viu. Foi aí que lembrou de acender a lâmpada de entrada para enxergar melhor. Olhou para baixo quase que em câmera lenta, a ponto de encher os olhos de esperança, quando finalmente descobriu o que ali se encontrava, bem atrás de sua porta. Era apenas um gato com frio naquela tarde de ventania.

Dona Iaiá
Enviado por Dona Iaiá em 13/05/2013
Reeditado em 12/07/2013
Código do texto: T4288524
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