Astrolmofadas
E a cada tentativa de me levantar, me despedir, e finalmente ir, ela dava-me novamente instruções de segurança sobre o trajeto e personalidade semi-mística do artefato. Eram recomendações daqui, detalhes e explicações dali e simulações espontâneas e rápidas (não tínhamos tempo?); além de precisões geográficas e códigos de entrada de trajeto semelhantes aos nossos meios de localização - que achei inadmissível; claro, tratava-se de um artigo relativamente raro e mágico. Foi assim, repetidamente. E era nessa hora que eu me desesperava. Sem a minha permissão ou consentimento, eu era arrastado de volta à incontestável (e óbvia) realidade: a de que eu tinha mesmo que ir embora ocupando o nem-tão-deserto tráfego aéreo secundário no seu sofá voador. Eu já sabia como usar (quase de cor), mas não me sentia seguro. Sentia que aquela podia ser a oportunidade perfeita de realizar um desejo antigo: ir para casa usando minhas pernas.
Pode parecer que o voo de sofá fosse uma coisa nova, afinal, eram tantas as instruções... Mas não era. E nunca se sabe não é?! Especialmente neste caso que se tratava de uma peça antiquíssima, quase arcaica. O desejo era forte, mas o medo crescia junto com ele. Eu já desconfiava das intenções dela: manter-me preso naquela casa-caverna (já me sentia um semi-prisioneiro de uma feiticeira poderosíssima – ao menos bruxa, ela era mesmo). Eu não tinha autonomia. Doce e minuciosamente, ela mais uma vez me orientava. Como sair? Como enfrentar a mulher mágica e lhe dizer que era sim possível se locomover de outra forma? Eu ficaria um louco insensato e com certeza seria ridicularizado. Eu já estava quase certo que ela sabia da minha recusa aérea (agora definitiva - deve ter sido instinto aventureiro ou suicida) e que seu plano estava quase completo; quando, sem nem perceber o que estava fazendo (agora foi instinto de sobrevivência - certeza!); levantei, dei-lhe um beijo no rosto e um tiau. "tiau, querido... apareça, viu?!", disse ela com um sorriso maliciosamente leve e um ar enigmático de dever cumprido.