Padre João
    Na ocasião, estudava no ginásio mais conhecido como ginásio do padre, colégio reservado para os mais abastados da cidade ou classe média alta. Pobre e filha de analfabetos, mas que tinham vontade que eu aprendesse, e pudesse obter tudo aquilo que eles não obtiveram. Conseguiram para mim uma bolsa de estudos e fui estudar num dos melhores colégios da cidade.
    Fiz muitas amizades, era falante e logo me arrumava, no entanto selecionava minhas amizades não gostava de baderneiros, nem das meninas mais atiradas. Buscava sentar-me nas primeiras carteiras para não me distrair diante as aulas, para me dirigir aos professores interrogando-os sobre alguma questão ponderava, mas quando o fazia geralmente eles pediam um tempo para buscar as respostas, nunca gostei muito de atividades físicas me cansava rapidamente e sentia-me ofegante, isso quando não me faltava a respiração, embora houvesse sido examinada várias vezes não se chegou a nenhuma conclusão plausível, no mais poderia ser considerada como estudante aplicada.
     Havia um dia na semana que causava-me grande incômodo era o dia de sexta feira, no qual o padre João fazia palestras na capelinha da Escola e na primeira sexta feira de cada mês rezava a santa missa, não que eu tivesse algo contra o padre ou a religião, , mas é que suas palavras eram demasiadamente cansativas, eu sempre via quando começava mas ao termino era sempre despertada aos beliscões dados pela colega do lado, que evitava que o Padre João me surpreendesse naquele estado profundo de sono, seria um desrespeito para com ele e principalmente para com as palavras de Deus.
    Eu não gostava do tom do sermão , mas numa dessas ocasiões ele disse algo que nunca esqueci e mudou toda minha concepção a cerca da vida e da morte, vindo de um padre me causou espanto que ele compartilhasse daquela opinião.
    Desde criança eu escutava que se fossemos bons iríamos para o céu que ficava logo acima das nuvens , a imensidão do azul que costumava ver a olho nu e lá haveria anjos, arcanjos, querubins, santos, Nossa senhora e Deus provavelmente sentado em um trono. São Pedro, guardião da porta de entrada, com enormes chaves, examinaria se o nosso nome constava na lista dos eleitos, caso o nome não fosse encontrado, desceríamos imediatamente ao inferno, onde diabinhos com chifres e rabo aguardavam os pecadores rejeitados do céu, que iriam arder nas chamas espetados com grande perversidade ao som de estridentes gargalhadas e o cheiro de enxofre exalando pelos quatro cantos do funesto ambiente, e assim se daria por toda a eternidade.
Sempre temi a morte e só em pensar na possibilidade de me encontrar com ela, estremecia era um assunto que procura ignorar. Certa feita no auge dos meus sete anos de idade, durante minhas orações tentei barganhar com Deus, se não me deixasse morrer nunca, acenderia 100 velas. Imaginem se todos aderissem a ideia e se Deus aceitasse, morreríamos todos vitimas de um grande incêndio. Ria-me quando me lembrava dessa tolice.
    Mas especialmente naquele dia o Padre João com sua batina preta, uma espécie de túnica com faixa presa na cintura, um crucifixo no pescoço e aquele tom grave, com o olhar penetrante começou a falar
sobre a vida e a morte, sua palavras prenderam minha atenção pois me resgatavam da ignorância que obscurecia minha razão como se estivesse até então confinada numa prisão sem a noção exata do que se passava ao derredor, meus olhos estivessem encobertos por uma névoa que ofuscava meu entendimento, eu tentasse adivinhar como seria o mundo fora da minha realidade,
A minha verdade deixou de existir a partir daquele momento, se transformara numa mentira, tais foram as palavras de padre João:
   "Meus filhos, fomos ensinados durante muito tempo que o céu e o inferno são lugares físicos para onde vamos, quando morremos se acordo com o que fizemos aqui na Terra. Gozaremos da companhia de Deus ou do demônio por toda a eternidade.
Nada pior do que a mente atormentada pelo remorso, pela vergonha, escravizada pelos vícios, pela falta de fé em Deus, isso é o inferno! O céu é estar com Deus, fazer o bem, estra em paz! È que vocês devem procurar fazê-lo.
Ele ainda prolongou seu discurso até que, nos deu a benção final, em fila nos dirigimos até ele para beijar-lhe as mãos como era de praxe.
     Naquele dia não precisei dos beliscões pois ficara atenta a cada palavra proferida por ele. Para muitos alunos que ali estavam, aquela foi só mais uma palestra do Padre que obrigatoriamente tínhamos que assistir e a maioria de nós estávamos ali movidos por outros interesses que não necessariamente, era o de aprender sobre religião, mas, um momento propício para aquelas trocas de olhares indiscretas, mais demoradas que dispensam palavras. A disciplina era extremamente rigorosa não podíamos circular livremente. Meninos e meninas estudavam em alas separadas, só encontrando-se nos sermões do padre.
     Eram tempos muito bons aqueles, e passaram tão rapidamente, cada um seguiu seu caminho. O padre? Esse morreu um ano após aquela palestra, foi velado no mesmo lugar onde costumava falar-nos, seu corpo inerte agora repousava e nós ali estávamos na fila, desta vez para dar-lhe Adeus.
Levei uma rosa do jardim da minha casa ao me aproximar do ataúde, inclinei a cabeça e disse baixinho.
Adeus padre, que o senhor esteja no céu de sua consciência, depositei a rosa sobre seu corpo e saí sem medo da morte.
    No peito uma dorzinha, a tristeza que despontava pela saudade que se sentia daquele que ia embora e que sequer tinha exata ideia do quanto suas palavras foram importantes para mim.
    Saí enxugando uma lágrima que teimosa rolava pela minha face, alcancei a porta que dava para a rua e uma brisa afagou os meus cabelos, acompanhada por uma chuvinha, parecia que a natureza viera despedir-se.
                                          Polly hundson