Moisés - Parte 1
Atravessando a esquina da rua principal, dei de cara com um desconhecido, um tipo estranho, que nunca tinha visto na cidade, ele, muito tímido, pediu desculpas e olhando enviesado para mim um cacoete em seu olho esquerdo o fazia tremer, abrir e fechar. Sorri, como sempre, e disse que não fora nada, o rapaz quase tropeçou ao ir embora correndo. Continuei minha caminhada costumeira, cheguei até o calçadão e pus-me a correr, àquela hora da tarde o sol era terno e gentil, não escaldante como mais cedo, a rua estava movimentada, várias pessoas voltando para casa depois do trabalho, algumas como eu, fazendo seu exercício diário. Corri até minhas pernas doerem e meu fôlego faltar, estava pensando na vida e me esqueci de respirar corretamente, parei em uma pracinha onde havia uma bica de água e me pus a beber ao mesmo tempo em que tentava respirar. Sentei em um banco na praça e fui acalmando minha respiração e esticando as pernas, relaxando os músculos e desanuviando minha mente. Olhei ao redor e percebi que o cara estranho que tinha esbarrado em mim mais cedo estava sentado em um banco mais afastado bem no fim da praça, curiosa como sempre sou, fiquei observando o rapaz que parecia falar sozinho, parecia estar em uma discussão consigo mesmo. Intrigada, levantei e fui chegando perto do rapaz, à medida que ia me aproximando podia ouvir sua voz:
- Não quero fazer isso! Não vou fazer isso e pronto!
- Vai fazer isso sim! Ele mesmo respondia.
Fiquei olhando chocada a cena que se desenrolava diante de meus olhos. De repente ele olha para mim e diz:
- O que você quer?
Quis sair correndo, mas fiquei com medo que ele me seguisse, com certeza esse pobre rapaz devia ser um louco fugido de algum hospício por aí. Acalmei-me e disse:
- Nada, só estava passando por aqui...
- Mentira, vi você me olhando, o que quer?
- Não pude deixar de ouvir você falando sozinho, você está bem?
- Mas é claro que não estou bem, minha mãe morreu na semana passada e hoje saí de casa pela primeira vez na vida.
-Como assim? Nunca tinha saído antes?
Sentei ao seu lado no banco, ele imediatamente se afastou e ficou na beirada quase caindo.
- Não. Minha mãe não queria que eu saísse, ela dizia que as pessoas não iam gostar de mim.
- Mas por quê?
- Sou estranho, não percebeu?
- Ainda não...
Tive que mentir, não queria que ele ficasse furioso ( se é que ficaria)
- Minha mãe dizia que ninguém gosta de pessoas estranhas, feias e desequilibradas como eu.
Senti muita pena dele, parecia estar falando a verdade, seu olhar era perdido e confuso, não parecia perigoso; resolvi investigar:
- Qual era o nome da sua mãe?
- Rosário... Maria do Rosário Diniz.
Disse com um tom de voz de quem tinha respondido essa pergunta várias vezes.
- Não acredito! A dona Rosário tinha um filho? Não sabia...
- Ninguém sabia, só eu.
- Mas como ela te escondeu este tempo todo?
- Não sei, me trancava no quarto o dia todo, nunca podia sair... Sabe moça quando a gente não tem com quem conversar a gente conversa com a gente mesmo...