NA FEIRA, COM A BISCATEIRA
Ela chegou de mansinho com seu auxiliar minguado, que, de imediato, reconheci. Tratava-se do Nelinho
Ela chegou de mansinho com seu auxiliar minguado, que, de imediato, reconheci. Tratava-se do Nelinho
Conhecia o rapaz de eventos literários anteriores.
- Sou representante comercial, moro em um quarto alugado aqui perto, frequento a igreja evangélica. Atualmente trabalho para a autora destes livros e para seu sócio. Eles são de São Paulo e virão morar aqui, informou-me.
- Qual é exatamente seu trabalho? Indaguei.
- Eu vou às escolas, agendo palestras e acompanho meus patrões em suas exposições. Eles vão lá depois e falam sobre os livros com os professores e os alunos. Estão com uma meta para vender muito. Ele é advogado, mas tem problemas de saúde. Ela é esperta e autora de muitos livros infantis.
Quando estava na véspera de lançamento do meu novo livro, propus que ele me acompanhasse na distribuição dos convites em pontos estratégicos e no lançamento previamente agendado. Combinamos o valor pelo serviço de uma manhã, a título de experiência.
Nelinho chegou com mais de uma hora de atraso. Saímos no meu carro conversando, entre uma e outra parada para entrega dos convites. Notei que em alguns locais ele demorava mais do que o necessário, atrasando o término do trabalho previsto para meio-dia. Acabamos tendo que interromper para almoçar, com retorno às 15 horas, e só terminamos às 17:30, quando ele me informou que não iria mais ao evento de lançamento no dia seguinte, porque seus outros clientes necessitavam dele.
- É uma questão de ética, entende?
Fiquei chateada com essa mudança repentina. Pior foi quando ele me pediu para lhe pagar o dobro, após ter levado um livro para conhecer meu trabalho.
Eu disse:
- Vou lhe pagar, quando você trouxer de volta meu livro, porque já vi que nossa parceira não vai dar certo.
- Mas eu pensei que a senhora tivesse me dado o livro.
- Não, não dei. Apenas emprestei para você conhecer a obra.
Dois dias depois fizemos o acerto de contas.
Agora ele e aquela senhora foram se posicionando na lateral do estande do Sindicato dos Escritores, na 29ª Feira do Livro. Levaram umas araras de treliça encardidas que chamavam de expositores e um banner com o desenho de um livro grosso sobre JK, que ela dizia ser de autoria do seu sócio.
- Comentam que ele é um parlamentar aposentado, disse um autor presente.
Ela ficou ali movimentando suas araras e seus livrinhos infantis de um lado para outro e cochichando com seu ajudante entre um e outro olhar furtivo, em nossa direção.
Nós, autores filiados ao Sindicato e escalados para trabalhar na organização naquele turno, tentávamos colocar os livros entregues pelos demais escritores nas estantes disponíveis. Misael, o jovem encarregado do recebimento, registro, controle e venda do estoque recebido, demonstrava, através do movimento dos olhos e gestos, o quanto estava assustado diante de tamanha responsabilidade. Percebeu logo a presença inconveniente da dupla. Carlão, coordenador do estande, radical e carrancudo, já me adiantava entre dentes que não ficariam ali de forma alguma, porque estavam “invadindo o nosso espaço”.
Cochichos para cá, cochichos para lá, acabou havendo um contato entre as partes, ficando então decidido que a permanência da referida senhora e sua equipe no local só seria possível se houvesse a anuência da nossa presidenta, que se encontrava ausente. Foi então que a interessada resolveu pedir o número do telefone da “autoridade” e fazer seu pedido para participar da unidade. Bondosa e gentil, nossa querida Lucimeire, após a troca de informações e recomendações de praxe, resolveu aceitar sua presença entre nós. Aceita no grupo a contragosto de todos, começou a colocar as “manguinhas” de fora. Foi pendurando seu “banner” no primeiro prego que encontrou e espalhando seus livretos infantis por todos os lados. Carlão e Misael tentaram “botar ordem no galinheiro” em vão, enquanto ela e seu minguado ajudante conversavam do lado de fora do estande. Voltaram novamente fuçando aqui e ali para ganhar espaço e destaque em relação aos demais. Como se não bastasse, mais tarde apareceu o tal sócio que, em tom impositivo, queria convencer Misael a colocar o seu “banner” imediatamente em pontos estratégicos, porque era “necessário e conveniente enfeitar o estande, dar mais vida ao local que estava muito apagado”.
- Está sem vida, entende? Argumentava.
Tirando os exageros da sua argumentação, até que nesse ponto concordei.
Realmente deveriam permitir que pendurássemos os “banners”, desde que não comprometessem o acesso às prateleiras de livros.
Mas a visita do autor-advogado durou pouco. Ele se cansou de dizer ao Misael:
- Tens aura de bondade, crânio de homem inteligente, olhos de esperteza. Faça o que estou dizendo!
Como nem isso o convencia a obedecer às ordens do cidadão, este desistiu, indo embora sob a alegação de ser diabético.
- Tenho que me alimentar e tomar medicamentos na hora certa. Adeus!
Ficou lá apenas o Nelinho distribuindo panfletos aos visitantes que passavam à distância do nosso espaço literário até que, tendo certeza que os chefes se foram em definitivo, também “bateu em retirada”.
Com o passar do tempo, embora não sintonizados conosco, a presença daqueles três já não incomodava tanto, até que fui apanhada de surpresa com a interferência da “biscateira”, diante da minha proposta de fazermos um sarau poético para animar o espaço.
Alguns haviam aplaudido a idéia, outros estavam se preparando para declamar quando ela nos interrompeu:
- Acho de mau gosto ficar declamando poesia aqui. Lá em São Paulo não fazem isto. Tenho uma conhecida juíza que disse que isto é feio, cafona...
- Olha não estou preocupada com a opinião da sua amiga e acho que se você não gosta, não deve participar. Respeito sua opinião, mas você tem que respeitar a dos outros também, respondi.
- Então eu vou ser obrigada a ouvir o que não quero?! Quem gosta de poesia, deve comprar o livro e ler sozinha. Não é para ficar declamando em público. Isto é falta de cultura - retrucou ela.
- Nossa! Pegou pesado agora. Como eu afirmei, a senhora tem duas alternativas. Se gostar, fica. Se não, vai embora. Ponto.
Raivosa, ela se retirou para o local onde estava o auxiliar distribuindo planfetinhos.
O clima ficou pesado. Os que presenciaram a cena retiraram-se, constrangidos.
Chegaram outros amigos poetas. Ficaram ali um pouco, depois foram assistir à apresentação muito concorrida do homenageado da Feira, o poeta Tiago de Melo.
Eu me sentei ao lado do violonista, Luiz Gonzaga, que improvisava lindas canções ou cantava os clássicos da MPB.
Entre uma e outra música, ele fazia fundo musical para eu declamar minhas poesias.
Era ele tocando e eu declamando... Bastamo-nos um ao outro por algum tempo.
Depois chegaram os outros e o sarau ganhou a animação que eu desejava.
Enfim, a alegria e a paz se reinstalaram no ambiente, enquanto a biscateira conversava com o seu Nelinho, ou tentava convencer algum leitor a comprar seus livros, lá adiante.
- Sou representante comercial, moro em um quarto alugado aqui perto, frequento a igreja evangélica. Atualmente trabalho para a autora destes livros e para seu sócio. Eles são de São Paulo e virão morar aqui, informou-me.
- Qual é exatamente seu trabalho? Indaguei.
- Eu vou às escolas, agendo palestras e acompanho meus patrões em suas exposições. Eles vão lá depois e falam sobre os livros com os professores e os alunos. Estão com uma meta para vender muito. Ele é advogado, mas tem problemas de saúde. Ela é esperta e autora de muitos livros infantis.
Quando estava na véspera de lançamento do meu novo livro, propus que ele me acompanhasse na distribuição dos convites em pontos estratégicos e no lançamento previamente agendado. Combinamos o valor pelo serviço de uma manhã, a título de experiência.
Nelinho chegou com mais de uma hora de atraso. Saímos no meu carro conversando, entre uma e outra parada para entrega dos convites. Notei que em alguns locais ele demorava mais do que o necessário, atrasando o término do trabalho previsto para meio-dia. Acabamos tendo que interromper para almoçar, com retorno às 15 horas, e só terminamos às 17:30, quando ele me informou que não iria mais ao evento de lançamento no dia seguinte, porque seus outros clientes necessitavam dele.
- É uma questão de ética, entende?
Fiquei chateada com essa mudança repentina. Pior foi quando ele me pediu para lhe pagar o dobro, após ter levado um livro para conhecer meu trabalho.
Eu disse:
- Vou lhe pagar, quando você trouxer de volta meu livro, porque já vi que nossa parceira não vai dar certo.
- Mas eu pensei que a senhora tivesse me dado o livro.
- Não, não dei. Apenas emprestei para você conhecer a obra.
Dois dias depois fizemos o acerto de contas.
Agora ele e aquela senhora foram se posicionando na lateral do estande do Sindicato dos Escritores, na 29ª Feira do Livro. Levaram umas araras de treliça encardidas que chamavam de expositores e um banner com o desenho de um livro grosso sobre JK, que ela dizia ser de autoria do seu sócio.
- Comentam que ele é um parlamentar aposentado, disse um autor presente.
Ela ficou ali movimentando suas araras e seus livrinhos infantis de um lado para outro e cochichando com seu ajudante entre um e outro olhar furtivo, em nossa direção.
Nós, autores filiados ao Sindicato e escalados para trabalhar na organização naquele turno, tentávamos colocar os livros entregues pelos demais escritores nas estantes disponíveis. Misael, o jovem encarregado do recebimento, registro, controle e venda do estoque recebido, demonstrava, através do movimento dos olhos e gestos, o quanto estava assustado diante de tamanha responsabilidade. Percebeu logo a presença inconveniente da dupla. Carlão, coordenador do estande, radical e carrancudo, já me adiantava entre dentes que não ficariam ali de forma alguma, porque estavam “invadindo o nosso espaço”.
Cochichos para cá, cochichos para lá, acabou havendo um contato entre as partes, ficando então decidido que a permanência da referida senhora e sua equipe no local só seria possível se houvesse a anuência da nossa presidenta, que se encontrava ausente. Foi então que a interessada resolveu pedir o número do telefone da “autoridade” e fazer seu pedido para participar da unidade. Bondosa e gentil, nossa querida Lucimeire, após a troca de informações e recomendações de praxe, resolveu aceitar sua presença entre nós. Aceita no grupo a contragosto de todos, começou a colocar as “manguinhas” de fora. Foi pendurando seu “banner” no primeiro prego que encontrou e espalhando seus livretos infantis por todos os lados. Carlão e Misael tentaram “botar ordem no galinheiro” em vão, enquanto ela e seu minguado ajudante conversavam do lado de fora do estande. Voltaram novamente fuçando aqui e ali para ganhar espaço e destaque em relação aos demais. Como se não bastasse, mais tarde apareceu o tal sócio que, em tom impositivo, queria convencer Misael a colocar o seu “banner” imediatamente em pontos estratégicos, porque era “necessário e conveniente enfeitar o estande, dar mais vida ao local que estava muito apagado”.
- Está sem vida, entende? Argumentava.
Tirando os exageros da sua argumentação, até que nesse ponto concordei.
Realmente deveriam permitir que pendurássemos os “banners”, desde que não comprometessem o acesso às prateleiras de livros.
Mas a visita do autor-advogado durou pouco. Ele se cansou de dizer ao Misael:
- Tens aura de bondade, crânio de homem inteligente, olhos de esperteza. Faça o que estou dizendo!
Como nem isso o convencia a obedecer às ordens do cidadão, este desistiu, indo embora sob a alegação de ser diabético.
- Tenho que me alimentar e tomar medicamentos na hora certa. Adeus!
Ficou lá apenas o Nelinho distribuindo panfletos aos visitantes que passavam à distância do nosso espaço literário até que, tendo certeza que os chefes se foram em definitivo, também “bateu em retirada”.
Com o passar do tempo, embora não sintonizados conosco, a presença daqueles três já não incomodava tanto, até que fui apanhada de surpresa com a interferência da “biscateira”, diante da minha proposta de fazermos um sarau poético para animar o espaço.
Alguns haviam aplaudido a idéia, outros estavam se preparando para declamar quando ela nos interrompeu:
- Acho de mau gosto ficar declamando poesia aqui. Lá em São Paulo não fazem isto. Tenho uma conhecida juíza que disse que isto é feio, cafona...
- Olha não estou preocupada com a opinião da sua amiga e acho que se você não gosta, não deve participar. Respeito sua opinião, mas você tem que respeitar a dos outros também, respondi.
- Então eu vou ser obrigada a ouvir o que não quero?! Quem gosta de poesia, deve comprar o livro e ler sozinha. Não é para ficar declamando em público. Isto é falta de cultura - retrucou ela.
- Nossa! Pegou pesado agora. Como eu afirmei, a senhora tem duas alternativas. Se gostar, fica. Se não, vai embora. Ponto.
Raivosa, ela se retirou para o local onde estava o auxiliar distribuindo planfetinhos.
O clima ficou pesado. Os que presenciaram a cena retiraram-se, constrangidos.
Chegaram outros amigos poetas. Ficaram ali um pouco, depois foram assistir à apresentação muito concorrida do homenageado da Feira, o poeta Tiago de Melo.
Eu me sentei ao lado do violonista, Luiz Gonzaga, que improvisava lindas canções ou cantava os clássicos da MPB.
Entre uma e outra música, ele fazia fundo musical para eu declamar minhas poesias.
Era ele tocando e eu declamando... Bastamo-nos um ao outro por algum tempo.
Depois chegaram os outros e o sarau ganhou a animação que eu desejava.
Enfim, a alegria e a paz se reinstalaram no ambiente, enquanto a biscateira conversava com o seu Nelinho, ou tentava convencer algum leitor a comprar seus livros, lá adiante.