Mudança e Permanência - Parte II
Ela:
Essa rachadura. Ela sempre esteve aqui, conosco. Nunca viu? É o que acontece quando envelhecemos: as paredes racham, os olhos perdem a cor, os móveis empoeiram, a pele mancha, ruínas. É assim que acontece e eu aceito isso.
É por isso que não quero ir. Faço parte dessa pintura, não posso sair dessa parede, desse alicerce, dessa janela, desses móveis, de nós. Isso é tudo que sou.
E uma pintura não morre, apenas envelhece. O tempo passa e ela continua ali, para a eternidade. Não roubamos isso de ninguém, apenas vivemos, isso é nosso passado, olhe ao redor, isso é tudo.
E basta.
Feche essa porta, tá vindo um vento gelado de fora.
Foi você que mudou. O mundo é o mesmo e eu faço parte dele. Quem pode dizer quem é o sóbrio ou o insano nessa história toda? O que me garante que lá fora encontrarei a mesma segurança que tenho aqui dentro? Não quero mergulhar no desconhecido. Deixo isso para os jovens com quadros em branco, com paredes sem rachaduras. A minha história está criada e não quero nada além disso.
Por que insiste em ir? É porque sou a mesma e você não? O que mudou em você e permanece em mim? O que falta em mim que não te preenche mais?
Não tenha medo, eu te vejo, te sinto, te ouço, por enquanto.
Se você permanecer aqui e fizer parte da mesma matéria que eu, ainda posso te reconhecer, mas se você partir, será parte de outra coisa que eu não sei o que é. Quer correr esse risco?
Eu não quero.
Está tão claro aí, mal consigo te ver. Você parece uma sombra da sua imagem. Então é assim que acontece?
Minhas lágrimas estão te afogando. Eu sei o que isso significa.
Me entenda, vou ficar. Não quero que roubem nada desse lugar.