"Um belo dia resolvi mudar..."

Olhou no espelho e viu que sua gravata estava torta (de novo). Ajeitou o nó como se fosse a pior tortura que lhe pudesse acontecer. Odiava aquilo. Aquele nó completamente sem sentido em seu pescoço. E pra quê? Só pra agradar seu chefe e seguir regras idiotas.

Seguiu seu caminho pelo corredor da empresa, sempre acenando com a cabeça, sendo o tipo mais formal que poderia e sabia ser: o artificial. Não tinha o menor interesse na vida de nenhuma daquelas pessoas e nem na história que elas tinham pra contar quando o paravam pra puxar assunto. Mas ele sorria cordialmente e fingia que todas aquelas passagens chatas eram intrigantes. Passagens da vida de pessoas que não importavam absolutamente nada pra ele. Mas ouvia. Simplesmente pra agradá-los.

Em sua sala sempre tinha algum petisco e café, e os que ficavam nas salas ao redor vinham provar. Ele forçava-se a sorrir novamente e dizia que não era incomodo algum ter que dividir. E realmente não era, nunca foi egoísta. O que o incomodava era ter que sorrir para aqueles estranhos que queriam participar da sua vida.

Mas que vida?

Desde que entrara na faculdade tinha uma vida de aparências. Não gostava de ser advogado, só o fizera para agradar sua mãe com seu sonho egoísta. Se casara com uma mulher insípida, só porque era de uma boa família e tinha uma boa profissão. Atendendo seus clientes tão sem graça quanto ela em seu consultório odontológico. Nada demais. Nada de adrenalina e nem história pra contar no fim do dia.

Não tinha filhos e nem queria. Não agora. Talvez não com essa mulher.

Seu emprego era o tipo do qual muitos gostariam de ter e estar em seu lugar, mas ele não gostava do que fazia, então não fazia diferença de onde trabalhava.

Naquele dia, sentou em sua mesa depois que tomou (e dividiu) seu café e começou a pensar, olhando ao seu redor. E o que via? Uma mesa de escritório com muitos papéis para os quais ele não dava a menor importância e documentos que aguardavam sua resolução pragmática. Canetas, um computador e muita falsidade em seu sorriso que preenchia um porta retrato, abraçado com sua (apagada) esposa.

Pegou um bloco de papel rascunho e uma caneta. Foi enumerando uma lista de todas as coisas que gostaria de fazer, mas que nunca teve coragem. O título era: "Um belo dia resolvi mudar..."

Foi escrevendo todas as coisas por ordem de importância, valor emocional e tempo que demoraria pra execução. Pelo menos nisso a faculdade lhe havia ajudado: sabia organizar bem os pensamentos. Divórcio, faculdade de artes plásticas, um novo emprego, uma (talvez mais que uma) tatuagem, aprenderia a tocar bateria, saltaria de bung jump e faria uma viagem bem demorada em algum lugar onde pudesse encontrar a natureza ao seu redor. E ao terminar decidiu que colocaria tudo em andamento.

E começaria agora.

Levantou-se da cadeira e deu o primeiro passo: desatou o nó, tirou a gravata e saiu da sala sorrindo de verdade.

Não só com os lábios, mas no olhar também. Desta vez era um sorriso da alma.