PAIS E FILHOS

Hoje, não sei se o que se passará já é de conhecimento de todos. Mas como tudo nessa vida parece às vezes ter repetição, não devo, por isso, esconder o que poderá já ser sabido. Assim, o que vem a seguir não é, pelo enredo próprio do acontecido, digno de aplausos nem, tampouco, merecedor de adaptação para cinema ou série de tv. É apenas, e nada mais, o registro do que se perpetuou na memória. Também, sendo fruto da memória, pode trazer ou omitir descrições, um pouco, diferentes do que realmente aconteceu e, por isso, peço desculpas, seja pelo exagero, seja pela omissão. Até porque, sendo a memória um mecanismo da lembrança, não se pode negar que, sobre ela, tem-se debruçado psicólogos, psiquiatras e cientistas das mais variadas áreas. Atualmente, propondo ser o ramo que a tratará com mais detalhe, a neurociência tem se destacado nessa empreitada. Mas voltemos ao que nos propomos e deixamos a digressão para outra ocasião, quem sabe, mais pertinente.

Tudo se passou num dia ensolarado. Era verão e as pessoas, naturalmente, trajavam roupas mais leves e coloridas. E eis que Zezinho, um garoto conhecido pelas suas travessuras, contava nessa época com 12 anos. Os hormônios estavam à flor da pele e a libido às alturas. Zezinho, adepto de revistas proibidas para garotos de sua idade, e também amante de filmes limitados para sua faixa etária, era um garoto quase sempre visto de canto de olhos pelas mães de meninas igualmente imaturas às coisas da vida adulta. Porém, corria à boca pequena que Zezinho fora, por várias vezes, surpreendido à bisbilhotar pelas frestas do vestiário da escola. Tanto seu pai, assim como sua mãe, já eram contumazes frequentadores da sala da diretora. E também, frequentemente, saiam desses encontros com a promessa de que conversariam com o filho. E assim procediam. Falavam do descontrole hormonal pelo qual passam meninos e meninas da sua idade, da curiosidade, natural, que essa idade acarreta, mas acrescentavam, sempre num tom mais sério, que aquele comportamento, ainda que condizente com a idade do filho, não poderia, por ele, ser empreendido, pois, além de desrespeitoso para com as colegas, também era chato, porque o expunha a comentários desnecessários. Zézinho ouvia tudo atentamente e prometia que não ia agir mais daquele jeito.

Por dois ou três dias, tudo transcorria conforme o prometido, mas, não passava de uma semana, e os pais eram novamente chamados pela diretora. E novamente ouviam as mesmas reclamações, faziam as mesmas e ouviam as mesmas promessas.

Cansados desse vai e vem sem fim em reuniões com a diretora, os pais do Zezinho resolveram levá-lo ao médico. Exames foram feitos e nada de anormal fora diagnosticado. Resolveram levá-lo ao psicólogo que concluiu que tudo era normal e esperado para uma garoto em fase de desenvolvimento, ou seja, aquele comportamento indicava que o menino seguia um padrão ideal para meninos daquela idade, e que, conforme fosse ficando mais velho, tudo iria se encaixar naturalmente. Não era motivo para pânico, nem de muita preocupação, eram só reações provocadas pelos hormônios.

Os pais, embora entendessem que o filho estava apenas esboçando reações esperadas àquela idade, ao saírem do consultório, decidiram que daquela dia em diante não iriam mais à diretora tratar do mesmo assunto.

Muitos anos se passaram. Zezinho se formou, casou e teve dois filhos. É um cara muito legal e um dos melhores amigos que tenho. Só que nos últimos dias, me procurou. Estava preocupado, pois, acabara de receber ligação da escola. A diretora quer ter uma conversa, a terceira dos últimos dois meses, sobre seu filho Joãozinho, que anda espiando as meninas no vestiário. Eu não disse nada, apenas sorri, pois, conheço o Zezinho desde o pré-primário. Fomos filhos, hoje somos pais.