O BAILE DAS MARIPOSAS
O BAILE DAS MARIPOSAS
Alex Costa
Confesso: estava ali quase que forçado.
Lembro-me bem dos rostos que avistei no instante em que lá cheguei: uns demasiadamente esbranquiçados, outros com manchas vermelhas em ambos os lados, e outros coloridos, estes eram, sem dúvidas, os mais engraçados. Para bem falar a verdade, todos eram feios, e tudo era tão superficial que as máscaras eram gritantemente visíveis. Bastou apenas cinco minutos para eu saber que seria realmente complicado ficar naquele lugar, teria que reunir todas as minhas forças e ficar em um local um tanto afastado de todos, caso precisasse vomitar. Tudo ali me dava nojo. Desde a recepcionista com o sorriso amarelado e falso, até os convidados esfomeados que constantemente perguntavam pelos salgadinhos. Cada detalhe era de uma total asquerosidade. Porém, quero cá contar a vocês o que demais vi por lá !
Vestidos havia pra todos os gostos e sabores: azul-marinho, verde-lodo, verde-cana, vermelho-sangue, rosa-pink, uns no estilo toalha de mesa, outros no estilo cortina de cabaré etc. Sandálias e sapatos prefiro não fazer comentários, apenas dizer que seria interessante aprender a andar em um salto antes de tentar usa-los. A podridão da vaidade era tamanha que cheguei a ter náuseas. Sentei-me em um banquinho que havia próximo à entrada. Resolvi ficar apenas observando, em silencio, o comportamento estapafúrdio daquelas que, naquela noite, sentiam-se damas, porém, eram na verdade, dignas de pena. De quando em vez via uma cochichando segredinhos no ouvido de outra, sem dúvidas falavam mal do vestido de alguma que tentara ser um pouco mais elegante, ou dos enfeites no cabelo de alguma que pagou absurdos para forçadamente alisar os cachos. Ah ! Como a noite estava linda ! Só mesmo aquelas malditas mariposas para enfearem a noite-mãe. Tentavam manter-se na pose de uma Lady, mas só mesmo um idiota para não ver quão falsificadas elas carregavam, e quase ninguém notava.
Por aquela porta entrava todo tipo de gente. As que entravam sorrindo, as que entravam devagar e acenando, umas que entravam já apontando e talvez já reparando em como as mesas estavam tortas ou nas cores mortas da decoração. As que entravam com seus maridos, os vaga-lumes, só prosseguiam quando o terno alugado do seu homem estivesse totalmente alinhado, jamais iriam passar vergonha ali, em público, pois eram assim que costumeiramente se trajavam, ou não era ?
Lembro-me de uma delas que entrou e avistou uma colega um pouco depois da entrada. Acenou e foi quase correndo falar com a colega, não se importando em criar uma pose, ou ao menos não lembrou-se de se importar. E quando chegou perto da amiga, esta pôs a mão na boca e fez uma expressão de quem muito se admirara do vestido longo e vermelho que a colega vestia, então a tola e encabulada ‘dama-de-vermelho’ parou, abriu os braços e rodopiou, deu a famosa 'voltinha', para melhor ser vista.
Quando vi esta cena, logo lembrei de uma vez que fui a um terreiro de umbanda, pois lá havia uma pomba-gira, e só não lembro bem se era a cigana ou a morena, mas que rodopiou exatamente igual àquela tola mariposa de vestido vermelho, com os braços abertos e salto sujo. Talvez o único momento que pude respirar sem medo foi quando vi algumas crianças correndo próximo a mim, rindo e caindo, levantando-se e caindo novamente, rindo mais e correndo depois. De longe, próximo ao enorme tapete vermelho que estendia-se até o púlpito, uma menininha que estava vestida de ''dama-de-honra'' segurava, dentro de uma cestinha miúda, algumas pétalas de rosas, e olhava para as outras crianças com um olhar triste, abatido, sem poder ir juntar-se à brincadeira. De repente uma daquelas crianças que corriam pareceu olhar também para aquela que estava triste e convidou-a para correr e brincar junto aos outros. A garotinha pareceu achar o convite encantador, e já corria para a brincadeira quando uma mulher muito alta, magra e feia, que parecia ser sua mãe, foi até ela e pegou-lhe pelo braço, com força, e, apontando aquele dedo grande e ossudo duramente no rosto da ingênua menininha, começou a berrar:
- Eu já te disse mais de uma vez e não vou repetir ! Se tu tentar sair daqui, de onde eu te mandei ficar, eu te levo pra casa e te dou umas boas chineladas, tu tá ouvindo, Maria Eduarda ?
A garotinha logo fechou a cara, fez um bico, marejou os olhos, iria chorar. Então a mulher vendo que ficaria bastante feio para sua própria imagem se a filha entrasse chorando, decidiu apodrecer logo a situação de uma vez, e continuou:
- E não chore não ! Se você borrar essa maquiagem, vai entrar parecendo um demônio ! Todo mundo vai rir de você, e quando chegar em casa ainda leva umas pancadas !
Depois de tolas ameaças, a garotinha pareceu engolir o choro e caminhou pelo tapete. Todos fotografavam e admiravam-se da beleza da pequena. A menininha então olhou pra trás e viu o rosto da mãe, sorrindo um sorriso de canto de boca, incentivando-a a continuar. Não aguentou: desatou a chorar até o final do tapete, esquecendo-se das pétalas que deveriam ter sido jogadas no decorrer do trajeto. Lembro-me de uma mariposa velha e ridícula, que estava fotografando a garotinha com uma câmera que nem era sua, assim dizer :
- Olha só ! A bichinha está até emocionada com o casamento ! Que lindo uma criança novinha assim já sentir esse tipo de emoção !
Enfim ! Seria capaz de passar a noite aqui a lhes contar o que mais vi de ridículo naquele baile. Tão somente encerro aqui meu desabafo, porém, lhes deixando uma última nota:
“As mariposas são nojentas e me dão medo, elas estão em todos os lugares.”