O andarilho
Estava parada num cruzamento, esperando o farol de pedestres abrir, quando um homem veio em minha direção. Era um desses andarilhos, já idoso, sujo, maltrapilho, de péssima aparência. Pensei que ele viesse me pedir alguma coisa e já me preparava para a resposta habitual: "agora não tenho", ou "estou sem trocado", ou qualquer coisa parecida, pois não costumo dar esmolas na rua.
Ele falou alguma coisa, que eu não entendi, pois o barulho dos carros se sobrepunha à sua voz suave. Fiquei olhando para ele, e ele falou novamente, mas não foi dessa vez que consegui ouvir. Disse-lhe que não tinha entendido, que estava muito barulho. O farol ficou amarelo para os carros, o barulho diminuiu e eu lhe perguntei o que ele tinha falado. Ele disse:
- A senhora quer ajuda para atravessar a rua? Está com essas sacolas!
Eu estava saindo do supermercado e carregava uma sacola em cada mão.
Entre surpresa e comovida, disse-lhe que não precisava, que não estavam pesadas. Ele disse:
- Obrigado pela atenção, obrigado pela boa educação!
Fiquei sem saber o que falar, o sinal de pedestres estava aberto, dei até logo ao maltrapilho e atravessei a rua. Ele foi para o outro lado.
Imaginei que esse pequeno incidente pudesse ser uma prova, um pequeno teste para verificar meu nível de tolerância, empatia, ou solidariedade com o ser humano em geral.
Fiquei contente, pois, se não tivesse lhe dado atenção, poderia ter perdido uma oportunidade de um pequeno contato com um filho, um pai ou talvez um amigo de outras vidas - se é que elas existem!
Fiquei contente, pois, se não tivesse lhe dado atenção, poderia ter perdido uma oportunidade de um pequeno contato com um filho, um pai ou talvez um amigo de outras vidas - se é que elas existem!