BATERIAS E CARREGADORES
Era início de tarde de domingo. O sol ardia após o almoço e parecia que o dia repousava-se sobre o asfalto quente, sobre as calçadas e sobre os campinhos de futebol do bairro. O domingo, após o almoço, parecia deitar-se sobre o quintal onde batia, parcialmente, a luz do sol.
Nas ruas, apenas o tremular quente e abafado do concreto. Carros recém lavados e estacionados dentro de garagens ou em frente a três ou quatro portões, roupas e lençóis brancos balançavam em alguns varais. Cachorros de rua repousavam suas barrigas no chão fresco de algumas sombras feitas por muros.
O domingo nada mais é do que a espera pelo fim do repouso, a espera pelo início do sacrifício. Naquele dia, ela esperava por mais. Esperava por muito mais.
Renata esperava pelo namorado que, naquele final de semana, não conseguiu folga. Ele sairia por volta das quatro da tarde. Ela esperava pelo o início daquela espera pelo fim do dia junto ao ser que, de modo fascinante, é capaz de tornar essa espera tão leve e cheia de boas aspirações. Seria ele quem recarrega as baterias dela? Será que ela também recarrega as dele? Somos mais baterias ou carregador?
Não havia muito que fazer. Ela tentou ler alguma coisa. Pegou um livro qualquer na pequena prateleira em seu quarto e olhou para capa. Era um livro de contos de Lispector. Abriu no sumário e escolheu um conto pelo título. Começou a lê-lo, mas logo colocou o livro onde estava: ela não queria coisas tristes. Preferiu ler as primeiras páginas de um romance de Steven King, mas aquela história de cidades fantasmas e pessoas que, misteriosamente, desapareciam mexia com sua imaginação e ela não queria ler algo muito longo. Desistiu do livro e com o dedo indicador, passou pelas bordas de cerca de dez livros como quem procura algo específico e como quem não saber possuir todos eles. Por fim, desistiu de ler qualquer coisa e sentou-se em sua cama.
Virou para trás e olhou pela janela. Não havia muito que olhar a não serem outras casas e as copas de duas ou três árvores distantes que apareciam por detrás de alguns sobrados. Viu o céu e como estava azul. Logo se lembrou dos finais de semana em que saiu com seu namorado para cidades próximas de onde moravam. Cidades essas que ainda não haviam conhecido. Lembrou-se do dia em que fizeram trilha e como o clima estava agradável naquele dia.
Ficou perdida em suas lembranças que, de algum modo, voavam pelo lado de fora da janela. O canto desesperado do João-de-Barro serviu para tirar o feitiço que caía sobre os olhos dela, mas também trouxe uma sensação de solidão quente, de saudade de alguma coisa que ela não lembrava exatamente do que. Uma saudade de alguma coisa emocionante e que exigisse coragem que ela ainda não teve. Levantou-se e foi até a sala, ligou a televisão e pulou de canal em canal à procura de qualquer coisa interessante e não encontrou. Ficou mais triste e entediada. Era como se ela não existisse para o resto do mundo. Questionou para si mesma qual era a sua função, se viver seria aquilo mesmo. Perguntou-se se fazia algum sentido trabalhar a semana inteira e ficar em casa descansando ao domingos em frente à televisão cuja programação não diferenciava muito de programas de auditório que se estendem durante quase toda a tarde e que, no entanto, transmitem quase nada.
As horas passaram, e chegou o momento do encontro com seu namorado. Tomaram café-da-tarde juntos e depois saíram. Foram esperar pelo início do sacrifício juntos.
A semana passou, dia após dia. As segundas e terças-feiras costumam ser, misteriosamente, mais cumpridas do que as sextas e os finais de semana.
Renata e seu namorado não saíram no sábado à noite por que ele trabalhara até tarde, mesmo depois de ele ter feito o convite. O domingo era deles e pela manhã, ela recebeu uma mensagem do seu amado perguntando que horas ela iria até a casa dele. Ela ficou de ir após o almoço. Ele não gostou alegando ser tarde demais.
Talvez, ele quisesse passar mais tempo com ela. Ela, talvez, quisesse almoçar com os pais.
Ela entendeu a posição do namorado, mas ao questionar pelo motivo o qual ele ficara irritado, ela recebeu a resposta de que ela sabia que ele não gostava de ficar em casa aos finais de semana, e que ele não iria esperar por ela. Ele não iria esperar ela chegar.
Renata teve seus olhos cobertos de lembranças. Lembranças de vários dias monótonos de espera. Todos nós esperamos por algo. Pelo o que exatamente?
Naquele domingo, ela não almoçou com os pais. Almoçou na casa dele onde estavam a mãe dele, tias, primos e primas. Ele a acompanhou na mesa, mas já havia almoçado. Enquanto ela comia, lembrou-se da mãe que ficou em casa preparando o almoço e desejou que, pelo menos, seu pai almoçasse com ela. Renata reconheceu que, naquele momento, não passava de uma ave.
Passaram o restante da tarde e noite juntos. Passaram bem, felizes e as baterias foram recarregadas, apesar de carregadores. Fizeram amor e dormiram bem... A espera havia chegado ao fim.
No dia seguinte, pela manhã, começava o início de luta. E por mais irônico que pareça: início da espera pelo final de semana.
Será que somos mais carregadores? Talvez...