Lê-lê - ô !

O ônibus estava lotado, mesmo.

Um ser que parecia ser do sexo feminino estava sentado em uma cadeira, bem na frente, próxima ao motorista. Em seu colo estava um garotinho, seu filho, moreninho da pele clara, uma lindeza de anjo, que olhava pela janela para a rua e para o que nela havia, calmo e com um olhar preguiçoso de quem acabara de mamar. O telefone que estava na bolsinha tiracolo da criança, junto a uma mamadeira quase aberta, tocou. Quem segurava a criança no colo logo avexou-se para atender. Começou então a patifaria:

- Tá onde hen, marginal ? han ? Num tem negócio de calma não !

A ligação do outro lado parecia estar falhando.

- Olha, Wallyson, tu num faz hora com a minha cara não, viu ?! Tá pensando o que da vida, vagabundo ?

Algumas palavras pareciam chamar a atenção da criança, levando-o a repeti-las.

E o filhinho dizia:

- Vagabundo, vagabundo !

- Olha, eu vou quebrar a tua cara, seu canalha ! Tu pensa que eu não te vi com elas ontem ? e num mande eu falar baixo não, seu viado !

As pessoas do ônibus já estavam aos cochichos: uns dando pitacos, outras diziam: “O lá de casa num é nem besta de fazer uma coisa dessas !”

- Eu vou comprar é uma peixeira ! Vou comprar é uma arma ! O que ? Eu não tenho coragem ? Pois eu vou contratar é um pistoleiro pra te matar !

E o filhinho repetia:

- Matar, Matar !

Levantou-se então uma onda de ‘’valha meu Deus’’ misturado com ‘’eita macho’’ que era uma coisa só. E a conversa fluía :

- Eu deveria ter feito isso foi quando eu tive chance! Mas ‘’dextá’’, que eu vou fazer é um escândalo na porta da tua empresa ! Vou logo fazer tu perder esse teu emprego, seu corno !

O motorista, como em um circo, ria às gargalhadas. Por fim soltou um : “Pega fogo, cabaré !”

- É ! Mas na hora de fazer num instante tu quis conversar né, imundo ?! Mas num tem problema não ! Por que Deus disse: Venha a nós o vosso reino! Tu me paga !

Nessa hora o ônibus passava enfrente a uma igrejinha, todos aproveitaram para se benzer.

E a conversa em frente:

- Quero é ver se daqui pro final do mês tu num desce à cova ! ‘’Dextá’’, imundiça, que esses tapas que tu me deu num vão cair no chão não ! Nem que eu vá presa, mas tu me paga, seu felá da p .... !

E o filhinho repetia:

- Feá tuta ! Feá tuta !

Desligou.

Pude então ver resquícios de lágrimas nos olhos daquele ser, e acho mesmo que nessa hora os passageiros que ali estavam sentiram pena dela. O filhinho, tão ingênuo e pueril, olhou para a mãe e perguntou:

- Quem ela, mamãe ?

Ela apenas olhou para o garotinho ali no seu colo, forçou meio sorriso no rosto e disse com uma vozinha falsa de criança :

- Mandou um bezu e um ablaço, era o papai !

O ônibus parou no sinal. Do lado direito da rua, via-se uma agência de turismo. Um outdoor enorme anunciava:

“ Pacotes de viagens com preços incríveis ! Venha conhecer o brasil você também.”

Alex Costa
Enviado por Alex Costa em 19/04/2013
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