Pães amanhecidos
Zequinha lentamente andava, não tinha por que ter pressa. Não tinha ninguém a esperá-lo e nem um casebre aonde chegar. Carregava uma bolsa, dessas ordinárias que traz o nome do colégio estampado. Ela não pesava muito nos ombros, pois lá só havia três pães amanhecidos que ganhara de uma senhora numa casa onde batera pedindo o que comer. Dera-se por feliz, e agradecido, pois os pães ainda estavam macios perto da dureza da fome que ele sentia. Buscava encontrar apenas um lugar tranqüilo, sombreado para sentar e se fartar com os pães. Sabia que mais à frente havia uma praça.
Pelo caminho, porém, fora atraído pelo cheiro de carne assada que se alastrava pela rua. O cheiro saía caprichosamente pela porta de entrada de uma recém-inaugurada churrascaria. Deteve-se diante dela, passou a língua sobre os lábios, e ficou a admirar o rodízio de carnes que passavam pelas mesas. Via tudo, pois as paredes da churrascaria eram de vidro.
Primeiro viu a lingüiça borbulhando, depois a costela tostada, a picanha suculenta. Quando viu passar o galeto brilhando aos seus olhos, colocou o dedo na boca, lambendo-o como se fosse uma coxa de frango. Zequinha começou a comer literalmente com os olhos, e a saborear com o cheiro. Sentia o sabor de todas as carnes que ali passavam. Nisso, sem sentir, tirou um pão velho e começou a comer.
Até que se deparou com uma carne que nunca antes havia visto. Pelo cartaz que com dificuldade, soletrando, havia lido, imaginou que só podia ser carne de carneiro, pois sentiu na boca um gosto diferente, de carne adocicada. Tirou de sua bolsa outro pão. Seus olhos estavam perdidos, os garçons andavam rápido demais. Resolveu fixar seu olhar numa única mesa, sentindo-se como se estivesse nela. Vieram-lhe de novo lingüiça, costela, picanha, galeto e a carne doce de carneiro. Com a boca seca, engoliu a saliva como se tomasse o refrigerante da mesa que se havia transportado. Sem perceber, tirou o último pão da mochila e comeu o rodízio todo de novo.
Por fim passou os olhos num canto do salão, onde se encontravam as sobremesas, ali vislumbrou, pêssegos em caldas, pudim de leite condensado, tinha também salada de frutas, que não apeteceram ao Zequinha, que já tinha a saliva doce do leite condensado, de tanto do pudim se empapuçar.
Saiu dali empanturrado, nunca comera tantas carnes diferentes e doces tão deliciosos. Andou por alguns metros e começou a sentir-se mal, veio-lhe a imagem da lingüiça borbulhando, da picanha suculenta, do frango brilhando e da carne adocicada, das sobremesas que por fim desfrutou. O cheiro também impregnara suas narinas. Tinha um embrulho no estômago. Zequinha havia sido guloso. Vira e cheirara demais. Pensara até que seu mal-estar devia-se ao pudim do qual se imaginou comendo seis pedaços. O coitado deu mais dois passos para começar a vomitar, vomitou muito. E viu, além dos três pãezinhos velhos que comera, as carnes nobres de várias espécies que imaginou ter comido, esparramadas pela calçada.