Sociedade Alternativa
Orosimbo, cinquentão bastante educado, era, de forma absoluta, o genro que dona Vespasiana pedira ao Papai Noel e o velhinho a atendera sem pestanejar. Não que naquela casa fosse tudo perfeito, mas ao se julgar a maneira como atendia prontamente aos reclames da sogra octogenária, podia-se imaginar que ali estava parte de uma família perfeita. Ou quase perfeita: -Jandinalva, ô, Jandinalva, vê se não me torra a paciência! – essa era a única que o tirava do sério, sua esposa e companheira de trabalho, a Jandinalva. Regulavam mais ou menos a mesma idade e viviam juntos há dezenove anos de um casamento sem filhos – Orosimbo não os queria.
Ganhavam a vida vendendo cuscuz na Praça dos Combatentes, e era quase sempre lá que esses dois não se entendiam. Os amigos mais íntimos até comentavam o fato de Orosimbo ser tão paciente com as outras pessoas. – “Até com a sogra ele se dá bem...”- comentava um observador mais próximo. –“Essa sorte eu não tive; a minha é uma jararaca”- lembrava um outro.
O cuscuz, como de costume, era enrolado em folhas de bananeira, mas Jandinalva ouvira alguém dizer que era mais chique envolvê-los em guardanapos. Isso, por exemplo, era o bastante para que aquele pequeno homem de nariz achatado ficasse irritado e começasse a coçar todo o corpo como se fosse um chimpanzé, tentando se livrar de pulgas invisíveis. Estava na cara que o casal não se afinava; por mais que tentassem, não conseguiam esconder a sua infelicidade.
Apesar dos momentos desagradáveis vividos ao lado da sua companheira, ao chegar em casa e encontrar a “adorável sogra”, Orosimbo parecia estar no céu. Voltava a ser o “Zimbo”, como fora apelidado por dona Vespasiana, enquanto chamava-a carinhosamente de “Nana”. Só quando a mulher estava por perto, aquela paz era diminuída: Orosimbo procurava disfarçar, indo às vezes ao buteco para beber com os amigos.
Não que fosse apenas por simples capricho da sorte, mas eis que, um belo dia, dona Vespasiana amanheceu vomitando bastante. Orosimbo não foi nem trabalhar. Passou a cuidar da sogra, até que ela se recuperasse plenamente. Porém, isso não aconteceu de imediato, isto é, após uma semana de enjoo diário, a velha teve de ser hospitalizada às pressas e, advinha, lá estava Orosimbo, fazendo-lhe companhia.
Ao final de um mês, dona Vespasiana recebeu alta do hospital, mas começou a ter desejos estranhos. Isso acontecia durante as madrugadas, e era sempre por coisas que não havia em casa: jaca dura, mocotó, asa de galinha frita no azeite de dendê... até um dia em que ela desejou comer um sapo frito! E como desejo é desejo...
Mas se o óbvio não foi fácil de ser percebido, quanto mais de ser aceito: como uma mulher daquela idade poderia estar grávida?! Como, se era viúva há, pelo menos, metade da sua existência e há trinta e cinco anos se encontrava na menopausa?!
O menino nasceu! Orosimbo agora andava cabreiro, emudecido e, de uma hora para outra, passou a acreditar em milagres: -“Orosimbo disse que isso é coisa de Deus”- dizia a mulher para os amigos, com uma segurança suspeitável, enquanto dona Vespasiana andava com ares de quem acertara na loteria. Cada um tem a família que merece!