O CAPATAZ DOS CARROCEIROS
Em uma fazenda produtora de café, em Dois Córregos, SP, um casal formado por um austríaco e uma italiana teve onze filhos: dois morreram ainda na infância; ficaram nove, sete homens e duas mulheres. Leopoldo Stabile era o sexto filho na ordem geral, sendo que as mulheres eram uma mais velha e a outra mais nova que ele.
Os irmãos se casaram, os mais velhos primeiro, depois a irmã mais velha e por fim,os dois irmãos mais novos. Ficaram Leopoldo, a irmã mais nova e os pais idosos. Ela precisava de cuidados, pois era doente assim como os pais devido à idade avançada.
Por toda sua vida, Leopoldo trabalhou em várias fazendas de café. Foi colono, fiscal, carroceiro e fez diversos serviços rurais. Na última fazenda onde morou, a Fazenda São Paulo, no município de Presidente Alves, SP, ele chegou ainda jovem, solteiro e lá ele residiu por mais de trinta anos, sendo, aproximadamente, vinte deles, como carroceiro.
Na década de cinquenta, não havia caminhões e nem tratores nas fazendas. Todo o transporte dos produtos colhidos, como café, feijão, arroz, milho e etc., era feito com carroças e carros de bois.
Nesta fazenda, havia, na época, carroças chamadas de “roda de ferro”. Eram feitas com rodas de madeira, raiadas e encapadas por uma chapa de ferro, puxadas por seis burros. Depois de um tempo, as carroças passaram a ter rodas de pneu e assim, quatros burros apenas eram necessários para fazer o trabalho.
Leopoldo era o capataz dos carroceiros, responsável pelo cuidado da tropa de burros, da conservação dos arreios e das carroças. Ele mantinha tudo sob controle. Cobrava dos companheiros de trabalho, arreios engraxados com sebo, tropa bem alimentada, cascos feitos, crinas cortadas. A tropa nas carroças era organizada por cores. A sua cor era branca. Leopoldo levantava cedo. Quatro horas da madrugada, ele ia para a mangueira, arriava um cavalo, que ficava num piquete ao lado, buscava a tropa no pasto, recolhia todos, alimentava-os com milho. Em seguida, cada carroceiro atrelava os animais às suas carroças e saíam para o destino.
Na época da colheita do café, que era a principal cultura, os carroceiros tinham muito trabalho todos os dias, pois todo o café colhido era transportado para o terreirão de secagem localizado na sede. Como a propriedade era grande, havia lavoura bem distante e geralmente eles terminavam o trabalho já à noite.
Era difícil...O problema de saúde da irmã ficava cada vez mais complicado...O trabalho pesado do dia, o salário pouco para sustentá-los e comprar os remédios. Um conhecido de Leopoldo lhe indicou um hospital numa cidade distante, uma espécie de um sanatório, onde poderiam internar sua irmã.
Ele e um irmão que morava na cidade foram levá-la ao tal hospital. Leopoldo não gostou do local. Era um prédio antigo rodeado por um gramado e algumas árvores, todo murado parecia mais uma prisão. No entanto, não havia o que fazer! Ele já não podia cuidar dela, dos pais e trabalhar. Dessa forma eles a deixaram, entretanto Leopoldo voltou para casa com o coração apertado.
Passado uma semana, ele pediu ao administrador uma folga no sábado para ir visitá-la. Ao entrar no hospital, observou melhor: aquilo era um lugar horrível, os internos mal cuidados, as instalações precárias. O prédio era velho, sombrio, paredes de tijolos sujas, enfim, um ambiente desolador! Impetrava um clima de tristeza constante!
Encontrou Ana sentada num velho banco de madeira, à sombra de uma árvore. Ele a observou de longe: ficou penalizado! Ela estava triste, parecia alheia a tudo que a cercava. Sentou-se ao seu lado, conversaram... ela, em nenhum momento, reclamou, pois tinha consciência do peso carregado pelo irmão, e para aliviá-lo um pouco, pretendia continuar ali sofrendo, resignada. Mas nem precisou falar, Leopoldo pôde perceber o quanto ela estava amargurada, porém procurava disfarçar com um sorriso.
Ao terminar o horário de visitas, ele disse a ela que iria pousar na cidade e voltaria no domingo para vê-la novamente. Despediram-se. Quando chegou à portaria, encontrou um funcionário do hospital. Leopoldo lhe pediu informações de onde ele poderia arranjar um lugar para passar a noite. O rapaz lhe perguntou se ele tinha trazido dinheiro, pois havia alguns hotéis na cidade, no entanto, se ele quisesse, poderia pousar ali mesmo, ele lhe arranjaria um lugar no hospital.
De inicio Leopoldo gostou da ideia! Poderia economizar o dinheiro que, na verdade, era bem pouco... Mas, de repente, teve um pressentimento de que aquele rapaz não era de confiança. O moço o levou para lhe mostrar o local: entraram por uma ala que parecia abandonada, passaram por corredores escuros, até chegar embaixo de uma escada, num quartinho com um banheiro, pequeno, mal arejado. Isso reforçou ainda mais sua suspeita. Quando o rapaz virou para ir embora, Leopoldo o seguiu. Disse-lhe que não ficaria ali, que iria passar a noite num hotel.
Pensou muito durante a noite. Dormiu mal. Pela manhã tomou um café e retornou ao hospital com a decisão tomada. Levaria sua irmã embora, naquele no mesmo dia. Procurou o médico responsável, que resistiu em permitir sua saída, mas diante da insistência e da promessa de levá-la ao médico em sua cidade, cedeu. Leopoldo procurou Ana que estava no seu quarto, comunicou-lhe sua decisão. Ela o abraçou chorando e foram embora.
Passado um tempo em casa, o estado de saúde de Ana se agravou. Foi internada na Santa Casa de Presidente Alves, onde ficou alguns dias. Em um Domingo de Ramos de manhã, Leopoldo estava na igreja onde alguém o procurou e lhe pediu que fosse com urgência ao hospital. Quando lá chegou, sua irmã havia morrido a poucos minutos... Então conversou com a enfermeira que lhe contou que ela estava bem, porém quando foram levar-lhe o café da manhã, recusou e disse: “hoje eu não quero café, vou tomar com os anjos no céu!”
Era o ano de 1954. A vida seguiu seu curso e Leopoldo continuou então a cuidar dos pais...
Depois do Natal, no dia 27 de dezembro, tudo parecia ser um dia normal como outro qualquer! De manhã Leopoldo procedeu da mesma forma dos outros dias no trabalho: pegou sua carroça e se dirigiu ao curral das vacas de leite. Carregou-a com esterco para levar à lavoura, em um lote de café bem distante da sede. Quando começou descarregar a carroça, viu um cavaleiro que vinha apressado em sua direção. Quando chegou, ele disse: “sua mãe está passando mal, pegue o cavalo e vá rápido, eu fico com a carroça”.
Em casa sua mãe já estava pronta. Um Jeep da fazenda os levou ao hospital, onde ela ficou internada por cinco dias e veio a falecer no dia de Ano Novo de 1955.
Desse dia em diante, a vida de Leopoldo mudou completamente. Ficou ele e o pai idoso. Sem condições de trabalhar e cuidar do pai, Leopoldo conversou com os irmãos e ficou resolvido, com a aprovação do pai, que apesar de idoso era lúcido e entendeu que não havia outro meio. Ele teria de sair da casa que sempre fora sua e morar com um dos filhos mais novos, que era administrador de uma fazenda em Cândido Mota, SP.
Leopoldo entendeu que havia cumprido sua missão. Cuidara de sua irmã doente e de sua mãe até a morte. Entregara seu pai aos cuidados do irmão. Naquele momento era hora de pensar em construir uma família. Decidiu que devia procurar uma moça para casar. Foi então que encontrou Maria, também descendente de italianos, de uma grande família que morava na fazenda.
Depois de sete meses de namoro, eles se casaram. Tiveram três filhos, dois homens e uma mulher. Moraram na fazenda até 1982, ano em que se mudaram para a cidade de Presidente Alves. Porém Leopoldo trabalhou naquela fazenda até 1987, quando já com setenta anos, sofreu uma queda da carreta de um trator, fraturou o fêmur, e precisou ser submetido a uma cirurgia, que o forçou a parar de trabalhar.
Os irmãos se casaram, os mais velhos primeiro, depois a irmã mais velha e por fim,os dois irmãos mais novos. Ficaram Leopoldo, a irmã mais nova e os pais idosos. Ela precisava de cuidados, pois era doente assim como os pais devido à idade avançada.
Por toda sua vida, Leopoldo trabalhou em várias fazendas de café. Foi colono, fiscal, carroceiro e fez diversos serviços rurais. Na última fazenda onde morou, a Fazenda São Paulo, no município de Presidente Alves, SP, ele chegou ainda jovem, solteiro e lá ele residiu por mais de trinta anos, sendo, aproximadamente, vinte deles, como carroceiro.
Na década de cinquenta, não havia caminhões e nem tratores nas fazendas. Todo o transporte dos produtos colhidos, como café, feijão, arroz, milho e etc., era feito com carroças e carros de bois.
Nesta fazenda, havia, na época, carroças chamadas de “roda de ferro”. Eram feitas com rodas de madeira, raiadas e encapadas por uma chapa de ferro, puxadas por seis burros. Depois de um tempo, as carroças passaram a ter rodas de pneu e assim, quatros burros apenas eram necessários para fazer o trabalho.
Leopoldo era o capataz dos carroceiros, responsável pelo cuidado da tropa de burros, da conservação dos arreios e das carroças. Ele mantinha tudo sob controle. Cobrava dos companheiros de trabalho, arreios engraxados com sebo, tropa bem alimentada, cascos feitos, crinas cortadas. A tropa nas carroças era organizada por cores. A sua cor era branca. Leopoldo levantava cedo. Quatro horas da madrugada, ele ia para a mangueira, arriava um cavalo, que ficava num piquete ao lado, buscava a tropa no pasto, recolhia todos, alimentava-os com milho. Em seguida, cada carroceiro atrelava os animais às suas carroças e saíam para o destino.
Na época da colheita do café, que era a principal cultura, os carroceiros tinham muito trabalho todos os dias, pois todo o café colhido era transportado para o terreirão de secagem localizado na sede. Como a propriedade era grande, havia lavoura bem distante e geralmente eles terminavam o trabalho já à noite.
Era difícil...O problema de saúde da irmã ficava cada vez mais complicado...O trabalho pesado do dia, o salário pouco para sustentá-los e comprar os remédios. Um conhecido de Leopoldo lhe indicou um hospital numa cidade distante, uma espécie de um sanatório, onde poderiam internar sua irmã.
Ele e um irmão que morava na cidade foram levá-la ao tal hospital. Leopoldo não gostou do local. Era um prédio antigo rodeado por um gramado e algumas árvores, todo murado parecia mais uma prisão. No entanto, não havia o que fazer! Ele já não podia cuidar dela, dos pais e trabalhar. Dessa forma eles a deixaram, entretanto Leopoldo voltou para casa com o coração apertado.
Passado uma semana, ele pediu ao administrador uma folga no sábado para ir visitá-la. Ao entrar no hospital, observou melhor: aquilo era um lugar horrível, os internos mal cuidados, as instalações precárias. O prédio era velho, sombrio, paredes de tijolos sujas, enfim, um ambiente desolador! Impetrava um clima de tristeza constante!
Encontrou Ana sentada num velho banco de madeira, à sombra de uma árvore. Ele a observou de longe: ficou penalizado! Ela estava triste, parecia alheia a tudo que a cercava. Sentou-se ao seu lado, conversaram... ela, em nenhum momento, reclamou, pois tinha consciência do peso carregado pelo irmão, e para aliviá-lo um pouco, pretendia continuar ali sofrendo, resignada. Mas nem precisou falar, Leopoldo pôde perceber o quanto ela estava amargurada, porém procurava disfarçar com um sorriso.
Ao terminar o horário de visitas, ele disse a ela que iria pousar na cidade e voltaria no domingo para vê-la novamente. Despediram-se. Quando chegou à portaria, encontrou um funcionário do hospital. Leopoldo lhe pediu informações de onde ele poderia arranjar um lugar para passar a noite. O rapaz lhe perguntou se ele tinha trazido dinheiro, pois havia alguns hotéis na cidade, no entanto, se ele quisesse, poderia pousar ali mesmo, ele lhe arranjaria um lugar no hospital.
De inicio Leopoldo gostou da ideia! Poderia economizar o dinheiro que, na verdade, era bem pouco... Mas, de repente, teve um pressentimento de que aquele rapaz não era de confiança. O moço o levou para lhe mostrar o local: entraram por uma ala que parecia abandonada, passaram por corredores escuros, até chegar embaixo de uma escada, num quartinho com um banheiro, pequeno, mal arejado. Isso reforçou ainda mais sua suspeita. Quando o rapaz virou para ir embora, Leopoldo o seguiu. Disse-lhe que não ficaria ali, que iria passar a noite num hotel.
Pensou muito durante a noite. Dormiu mal. Pela manhã tomou um café e retornou ao hospital com a decisão tomada. Levaria sua irmã embora, naquele no mesmo dia. Procurou o médico responsável, que resistiu em permitir sua saída, mas diante da insistência e da promessa de levá-la ao médico em sua cidade, cedeu. Leopoldo procurou Ana que estava no seu quarto, comunicou-lhe sua decisão. Ela o abraçou chorando e foram embora.
Passado um tempo em casa, o estado de saúde de Ana se agravou. Foi internada na Santa Casa de Presidente Alves, onde ficou alguns dias. Em um Domingo de Ramos de manhã, Leopoldo estava na igreja onde alguém o procurou e lhe pediu que fosse com urgência ao hospital. Quando lá chegou, sua irmã havia morrido a poucos minutos... Então conversou com a enfermeira que lhe contou que ela estava bem, porém quando foram levar-lhe o café da manhã, recusou e disse: “hoje eu não quero café, vou tomar com os anjos no céu!”
Era o ano de 1954. A vida seguiu seu curso e Leopoldo continuou então a cuidar dos pais...
Depois do Natal, no dia 27 de dezembro, tudo parecia ser um dia normal como outro qualquer! De manhã Leopoldo procedeu da mesma forma dos outros dias no trabalho: pegou sua carroça e se dirigiu ao curral das vacas de leite. Carregou-a com esterco para levar à lavoura, em um lote de café bem distante da sede. Quando começou descarregar a carroça, viu um cavaleiro que vinha apressado em sua direção. Quando chegou, ele disse: “sua mãe está passando mal, pegue o cavalo e vá rápido, eu fico com a carroça”.
Em casa sua mãe já estava pronta. Um Jeep da fazenda os levou ao hospital, onde ela ficou internada por cinco dias e veio a falecer no dia de Ano Novo de 1955.
Desse dia em diante, a vida de Leopoldo mudou completamente. Ficou ele e o pai idoso. Sem condições de trabalhar e cuidar do pai, Leopoldo conversou com os irmãos e ficou resolvido, com a aprovação do pai, que apesar de idoso era lúcido e entendeu que não havia outro meio. Ele teria de sair da casa que sempre fora sua e morar com um dos filhos mais novos, que era administrador de uma fazenda em Cândido Mota, SP.
Leopoldo entendeu que havia cumprido sua missão. Cuidara de sua irmã doente e de sua mãe até a morte. Entregara seu pai aos cuidados do irmão. Naquele momento era hora de pensar em construir uma família. Decidiu que devia procurar uma moça para casar. Foi então que encontrou Maria, também descendente de italianos, de uma grande família que morava na fazenda.
Depois de sete meses de namoro, eles se casaram. Tiveram três filhos, dois homens e uma mulher. Moraram na fazenda até 1982, ano em que se mudaram para a cidade de Presidente Alves. Porém Leopoldo trabalhou naquela fazenda até 1987, quando já com setenta anos, sofreu uma queda da carreta de um trator, fraturou o fêmur, e precisou ser submetido a uma cirurgia, que o forçou a parar de trabalhar.