Despertador
Piii... Piii... Piii... Acorda Marina, já cansada. Sem levantar olha para o criado mudo. 08h00min. Está atrasada. O susto vence a preguiça e salta o corpo em direção à ponta da cama. Corre para o banheiro e senta na privada, xixi rápido, mas ao levantar senta novamente, agora quer fazer cocô. Toma banho gelado porque na noite anterior seu chuveiro queimou. Sai do Box tremendo de frio e escorrega no chão, com pasta de dente, pensa: Quem diabos escorrega em pasta de dente? Corre para o quarto. Coloca a calcinha, uma bem antiga que está cedendo do lado, cede. Pega outra calcinha, veste. Pega sua calça social cinza e coloca. Esquece-se de colocar a blusa, a blusa é branca. Em frente ao espelho vê que se esqueceu de colocar o sutiã, seus seios estão à mostra e acesos por conta do frio, mais acordados que ela. Tira a blusa, abaixa a calça, coloca o sutiã, abaixa a blusa, sobe a calça por cima, ajeita na cintura e fecha os botões da blusa. Pega as pastas com seus relatórios de crescimento produtivo. Procura os óculos. Não os encontra. Seus olhos estão cansados, não sabem para onde olhar. Come um pão quase duro passado na manteiga. Não sabe se passou muito pó no rosto. Não sabe se passou muito pouco pó no rosto. Não sabe se o batom está no caminho certo, se errou a boca dos lados e lhe fez de palhaça. Toma o café de três dias. Pega uma maçã que só serve de enfeite. Desiste de comer, fecha a porta de casa, mora mais uma senhora no seu quintal. Adivinhou sua saída e antecipou-se: - Minha filha pode, por favor, levar meu lixo para fora? – E porque Mariana recusaria? O que é quarenta minutos de atraso? Claro, senhora. Levo seus restos e ratos para fora. O lixo está húmido e escorre um caldo em seu sapato aberto, caindo entre os dedos fazendo com que o dedão escorregasse no outro dedo. Vai até o ponto. Duas pessoas. O ônibus chega. Umas setenta pessoas, rostos nas janelas, rostos nas portas. O primeiro do ponto sobe, coube. O segundo sobe, coube. não cabe Marina. Não é dessa vez. Não nesse barco de Dante. Mariana não sabe se cabe no mundo. Para onde é que essas pessoas vão? Ela pensa em quanto trabalho ela faz, só ela trabalha, deveria ter um espaço só para ela nos ônibus. Vem um logo atrás, nesse a porta cede e ela tem um lugar entre uma barra de aço e a cara de um homem aparentemente bêbado as 09h00min da manhã. Segue até o metrô. Pessoas, pessoas pra caralho! Pessoas subindo de escada rolante. Pessoas subindo de escadas normais. Pessoas esperando as pessoas que subam em ambas as escadas para que possam subir seus próprios degraus. Pessoas pedindo. Pessoas pra caralho! Marina escolhe a escada rolante, antes da metade a escada para e ela tem que seguir como se estivesse na escada normal. Não tem mais passagens, vai comprar. Pessoas na fila comprando bilhetes de ida e volta. Pessoas na fila para passar na catraca. Pessoas fazendo filas para descer a escada rolante até a plataforma e pessoas fazendo fila para descer a escada normal. Vai pela escada normal. Uma senhora cai, tem de esperar socorrê-la para que possa descer. Vêm mais pessoas. Fila para entrar no vagão. Entra. Pessoas lendo. Pessoas nos celulares. Pessoas falando sobre trabalho. Pessoas falando sobre pessoas. Pessoas pra caralho! Marina Encosta já cansada nos braços enquanto segura a barra de ferro de apoio. Com a bolsa entre as pernas. A luz da porta pisca três vezes. O sinal toca: Piii... Piii...Piii... Acorda Marina, Já cansada.