Equivocada dedução...

No coletivo lotado, Afrodite como de costume, postada em pé e recostada na proteção logo atrás do motorista, ficando em posição voltada na qual tinha total visão do interior veículo. Como de hábito, com olhar impessoal ficava imersa em seus pensamentos e seu olhar perscrutava os diversos aspectos que seu ângulo de visão permitia...

Aqui e acolá, seus olhos cruzavam com olhares também impessoais que como o dela, vagavam indefinidos... Ora seu olhar cruzava com o olhar de alguém, em uma nova incursão já não cruzava haja vista ‘o dono’ estar compenetrado em outra direção...

Porém, Afrodite começou perceber que sempre que vagava seu olhar, havia num canto oposto àquele no qual se encontrava, ou seja, em direção diametralmente oposta àquela onde se encontrava, um senhor que detinha fixamente olhar em sua direção. E inferiu ainda que o olhar era fixado diretamente em suas ‘partes pudendas’...

Constrangida procurou desviar sua atenção para situações outras que não as ocorridas no interior do ônibus. Porém, o instinto de ‘preservação’ e a vontade de ‘conferir’ se realmente estava havendo a ousadia ‘descarada’ daquele confiado... De forma receosa volveu seu olhar em direção ‘ao olhar que a secava’ e denotou que persistia... E o fato sucedeu-se por mais algumas vezes, deixando-a literalmente ruborizada e decidida a tomar uma atitude radical. Embora ainda estivesse no meio de sua viagem, comprimiu-se entre os passageiros que se amontoavam no corredor, esgueirando-se aqui e como uma cobra enfezada. Nem por isso conseguia evitar certas bolinações de alguns passageiros ‘aproveitadores de plantão’, porém não deu muita atenção ao fato devido ao ‘envenenamento crucial’ que a dominava...

Venceu o espaço que a separava daquele, sob sua avaliação, ‘pervertido senhor’. Acercou-se o mais que podia do, sob seu ponto de vista, ousado senhor e disparou:

--- Não se enxerga, seu velho? Ponha-se em seu lugar, velho

pervertido que não respeita os

passageiros...

Não teve tempo de terminar sua explosão irada. Meneando levemente a cabeça, o senhor que até o momento mantinha sua cabeça ainda voltada em direção ao local de onde havia partido Afrodite, com voz um pouco consternada, arguiu:

--- Desculpe-me senhora! Sou deficiente visual e não enxergo ‘um

palmo adiante do meu nariz’...

Os passageiros próximos e até os não tão próximos do ocorrido, olharam em direção à jovem, alguns até denotando em suas faces um indisfarçável ‘ar de reprovação’.

Segurando-se o mais que podia, tentando assimilar a gafe cometida, Afrodite acionou o sinalizador de solicitação para parada do coletivo e, mesmo ainda distante do local onde deveria descer, assim que colocou seus pés no chão da calçada, começou a chorar de forma convulsiva e abandonou o cenário de seu pretensioso engano...