PATROA E EMPREGADA... AH! ESSA NOVA LEI
Maria enxugou uma lágrima que insistia em despencar de seu rosto. Há tantos anos vivia naquela casa que já a considerava também sua.
Cuidava de tudo com tanto carinho. Tudo em seu devido lugar, sempre ajeitado e limpo. Maria era o capricho em pessoa.
Era extremamente responsável. Sabia tudo o que tinha que fazer. Não precisava ser mandada.
Tinha um quarto só seu, com todo conforto, até televisão. Um armário embutido com suas roupas, um rádio com CD e um vasinho de flores enfeitando a estante.
Stella, a patroa era boa gente. Tratava Maria como uma amiga, fazia confidências e desabafava com ela.
Quando Stella ficou doente, Maria cuidou-a com tanto zelo que a patroa não sabia o que fazer para mostrar a sua gratidão.
Maria tinha abandonado o marido que bebia e a maltratava. Um dia chegou com as malas para trabalhar. Não sabia para onde ir. Será que a patroa não iria achar ruim quando ela chegasse? Até o final do dia iria resolver o que fazer de sua vida, talvez ir para a casa de sua irmã.
Quando a patroa abriu a porta e viu Maria com as malas olhou assustada e perguntou:
- O que houve Maria?
- O João encheu a caveira e bateu ne mim de novo.
Stella lhe abraçou e mandou que ela se instalasse no quarto dos hóspedes. A partir daquele dia o quarto era seu.
Na nova casa tudo era diferente. Não precisava mais se preocupar com a conta da luz e da água. Na casa antiga sempre estavam atrasadas. Usava shampoo de marca e sabonete cheiroso, igual ao da patroa. Tinha comida boa e farta, liberdade de horário. Visitava a amiga durante à tarde, ia à academia com a patroa, ficou mais bonita, cheirosa. Parecia madame também.
Nossa! Que diferença da vida anterior. Não era mais pobre, até viajava para a praia.
Até que um dia tudo mudou. A patroa veio com uma conversa esquisita. Será que queria manda-la embora? Veio falando de uma tal de nova lei e que as coisas tinham mudado. Que agora teria que bater o ponto. Será que ponto era aquele relógio esquisito que haviam comprado?
Na hora do almoço a patroa entrou correndo na cozinha e gritou:
- Maria, pare tudo. É hora do seu descanso.
- Mas dona Stella, o feijão ainda não está pronto e ainda não fritei os bifes.
- Não interessa. Lei é lei. Vá para a sala e fique vendo televisão ou se quiser vá descansar no seu quarto. Ei, você não bateu o ponto hoje de manhã. Esqueci-me de te avisar.
Maria, obediente que era, foi assistir o jornal do meio-dia. O repórter falava de uma nova lei dos trabalhadores domésticos, da obrigatoriedade do descanso entre a manhã e a tarde, da jornada de 8 horas diárias, do descanso semanal, do recolhimento de um tal de FGTS. Que será que o coitadinho tinha feito para ser recolhido?
Uma hora da tarde, Stella gritou lá da cozinha:
- Maria, acabou teu descanso. Venha me ajudar. O feijão queimou e esqueci de fritar os bifes. A alface estava lavada? Não? Ih! Então não vai ter salada no almoço.
- Mas a senhora é mesmo atrapalhada, dona Stella. Esqueceu de desligar a batata. Queimou tudo.
Não teve almoço. Tiveram que comer pão com manteiga.
À tarde, Stella veio com uma conversa de hora extra. Pediu para ela trabalhar depois das cinco mais duas horas. Maria concordou e as sete da noite Stella pediu que ela parasse tudo de novo.
- Acabou seu expediente, Maria. Pode ir para onde você quiser.
- Mas dona Stella, eu nem jantei ainda.
- Então assine o ponto, jante, lave seu prato, garfo e faca e nada mais.
Na manhã do dia seguinte não cabia mais nenhum pires sobre a pia. A louça acumulada não deixava espaço nem para a garrafa térmica do café.
- Maria, que hora você começou a trabalhar?
- As sete, dona Stella.
- Meu Deus! Mais uma hora extra. Teu expediente começa as oito. Bateu o ponto? Não? Esqueceu de novo?
O estresse começou a tomar conta das duas. Patroa e empregada começaram a discutir a relação. Assim não dava mais. Dona Stella já não era mais a mesma, cheia de exigências. Um negócio de ficar exigindo bater o ponto, parar de trabalhar na hora que ela estava terminando o almoço e etecetera e tal.
Chegou domingo. Ah! Domingo, dia de passear com a família de dona Stella, almoçar fora, passear de carro. Ledo engano. Saíram e nem avisaram Maria. Que gente desaforada. Nunca pensei que iriam me tratar deste jeito, pensou Maria. Vou me embora desta casa. Estão me tratando como se não confiassem em mim. Estou me sentindo sozinha. Já to até com saudade do João. Ele bebia mas aos domingos me fazia companhia.
Maria não tinha para onde ir, a não ser que voltasse para sua casa e fosse morar novamente com o João. E foi o que fez. Arrumou suas malas e lá se foi para o seu antigo bairro.
João estranhou em ver a mulher voltar. Imaginava que ela estava tão bem na casa do patrão que nunca mais voltaria. Mas mulher é assim mesmo. São umas ingratas. Só por causa que seus maridos tomam uns tragos ficam desaforando eles. Depois quando levam uns trancos ficam reclamando.
Stella anda desesperada por falta de ter aquela Maria de antigamente. Tão boa, tão amiga, tão querida. No fundo uma fingida. Mudou tanto de uns tempos para cá. Culpa destas leis que ficam fazendo para os empregados. Eles se acham o máximo, cheio de direitos.
Longe, no bairro distante, Maria pensativa ficava a imaginar porque dona Stella havia mudado tanto. Esses ricos são todos iguais. Enquanto precisam da gente nos tratam bem, depois ficam inventando pretextos para nos descartar. Eta mundo ingrato. Na outra encarnação quero nascer patroa.