À espera de um amor
As coisas da vida, as cenas românticas das quais ouvimos sempre falar parecem estar sempre bem distantes de nós. Nunca acreditamos que possam acontecer conosco. Mas o senhor destino, mestre das implacáveis cenas da vida, presenteia-nos com certos dramas, às vezes sacralizados por nossos sentimentos, outras vezes mortais. Clara foi vítima desse senhor. Sorriu e chorou numa longa espera que lhe trouxe tantos dissabores e um fim muito pior que o começo e o meio de tudo.
-Alô? Adalberto?
-Oi, Clara, tudo bem com você?
-Agora sim! Notícia boa? Quando vem à Maceió? Estou morrendo de saudade de você.
-Não sei, querida. A notícia não é lá tão boa. Estou viúvo! Elma se foi e tão rápido.
Adalberto e Clara haviam se gostado platonicamente durante a infância. Na adolescência, com a permissão dos pais, chegaram a namorar-se. Parecia que o destino não se interessava pela união dos dois e ele viajou para fazer sua vida em São Paulo. Ela ficou guardando o carinho que tinha por ele.
Passados vários anos ele lhe escreveu mais uma vez afirmando o seu carinho especial por ela, porém informando-lhe que havia se casado novamente. Clara, mesmo entristecida com a notícia, resolveu esperá-lo. Acreditava que um dia o teria como companheiro. Não o esquecia. Adalberto era o seu príncipe encantado, brotado dos legítimos contos de fadas e que tinha que estar dentro do final da história que dormia enraizada no seu inconsciente. Ele viveu pouco tempo com sua esposa. Perdeu-a em um trágico acidente automobilístico.
Quando ela soube da notícia da sua segunda viuvez, esperançou-se ainda mais em tê-lo. Ele veio a Maceió, esteve com ela, chorou em seus ombros, mas retornou a São Paulo. Talvez ainda não fosse o momento exato para os dois. Águas ainda haveriam de correr em suas vidas.
-Meu Deus, já vi que nasci para sofrer na busca de um grande amor. Adalberto de novo casado! Por quê? Eu não lhe sirvo como esposa? Por que não me diz? O pior é que não consigo esquecê-lo. Vou esperá-lo mais. Não lhe desejo outra viuvez, mas vou regar minhas esperanças de ainda ser sua esposa. O outro casamento havia acontecido. Seu sonho estava mais longe ainda. Mas ela o amava muito.
Clara sempre falava com ele. Escrevia-lhe cartas românticas que eram endereçadas a uma caixa postal quase secreta. Ele as lia e as destruía para que sua esposa na soubesse de Clara.
Ainda ia fazer dois anos de casado quando Adalberto enviuvou pela última vez. Clara soube. Uma semana após o acontecido, ela lhe telefonou: Queria-o muito.
-Beto? Alô? Beto?
-Oi Clara, sou eu. Já soube de tudo, não foi?
-Sim. E você? Muito triste? Que azar esse seu, meu querido...
-Estou voltando para Maceió, querida.
x -Quando?
-Ainda este mês. Vou morar na casa de mamãe. Quando eu chegar procurarei você para conversarmos sobre nós.
-Eu estou lhe aguardando, Beto. Pessoalmente falaremos melhor. Que bom você vir morar aqui...
Clara sentiu-se quase sua esposa. Não séria possível que agora ela não o tivesse. Moraria na casa de sua mãe, ao lado da dela. Não o deixaria escapar do seu laço. Agora sim! Sentia-se quase sua esposa, mesmo.
No entanto nada disso aconteceu. Amargurada, ela desabafou com uma amiga:
-Eu olho para o céu estrelado em noites de lua cheia e vejo perderem-se os meus sentimentos. Fogem como qualquer cometa que se perde no universo. As estrelas cadentes que impregnam minhas retinas lembram-me como foi longa minha espera.
Adalberto retornou de São Paulo, passou a morar na mesma casa, vizinha a minha, com sua mãe, e nós nos falávamos todos os dias. Em menos de três meses que havia chegado, casamos. Vivi este casamento com uma força tão grande, como se nunca acreditasse pudesse existir. Havia-o perdido várias vezes. Agora, não, isso não aconteceria. Era meu, só meu. Não corria nenhum risco. Engano. Quando pensei que o tinha e que o meu paraíso era ao seu lado, enviuvei. Não posso dizer que foi um sonho lindo que se foi. Era muito mais do que isso. Minha vida tornou-se um pesadelo e eu morri, quase toda, com sua perda. A tristeza havia me laçado fortemente. Que pena, nunca havia tido tempo de ser feliz ao seu lado. Eu era sua viúva, na última curva que a vida havia permitido a ele, fazer. Contornou-a e morreu. Levei a vida, amando-o, desde antes, muito embora não o tivesse fisicamene. Deixara viúva sua última esposa. Preferia sempre tê-lo ao longe, viúvo, do que ser sua viúva mais poder amá-lo. Queria-o vivíssimo, mesmo que com outras. Meu amor por ele suportaria bem tudo isso.
Todos os anos, na data de sua morte, Clara manda celebrar uma missa festiva para sua alma. A igreja escolhida, sempre a mesma, é enfeitada com flores naturais, excessivamente. Ela nunca conseguiu esquecê-lo. Lembrá-lo é como viver ao seu lado. Ela o põe dentro da alma e envolveu-o de beijos e de lágrimas; pelos anos lembrados e pela saudade de sua perda física. É como se sua história, ao seu lado, ela houvesse posto numa moldura colorida e luzidia. Sempre estava vendo-a, admirando-a, endeusando-a, até.
Parece não querer esquecê-lo jamais. Isso é o que falam os seus gestos nas celebrações que faz nos aniversários de sua morte. Quando fala sobre ele, enfeita-se com uma saudade quase heróica que demonstra sentir. Quem a vê passar nas ruas, parece acreditar que desfila. Impecavelmente limpa e bem trajada, aquela mulher guarda uma esperança que nunca pôde viver sossegada dentro dela. Sua religiosidade forte, talvez tenha lhe proibido tornar-se deprimida. Sublima nas sucessivas celebrações que faz há mais de quinze anos, sua doce dor amarga que nunca a deixou viver na plenitude de seus sentimentos de mulher, ou de esposa que fora por tão pouco tempo. Mulher das esperanças que nunca pode ser intensamente. Mulher recheada do encanto do matrimônio. Mulher da cerimônia cheia de vazio dual, da cor descolorida, do alegre que soube lhe trazer lágrimas esquisitas de uma viuvez quase solteira e de uma morte muito viva. Uma mulher, afinal, cheia da idolatria do lar que se desfez como uma criança, da parturição não existida, da comunhão dos sexos pouco consumada, do casamento que o vento levou. Uma mulher triste e alegre, vivendo em um eterno cerimonial de uma lembrança viva. A eterna esposa viúva da vida e de uma solidão forte e eternizada noutra forma de casar-se, dessa vez com a lembrança triste.
-É uma pena que você não me possa falar com palavras agora. Dentro da covardia fria dessa sepultura, nada brota de feliz ou de vivo. Só a lembrança da tua ida desavisada para a morada dos anjos, talvez. Queria você aqui, ao meu lado, mesmo que nossa cama não fosse muito frequentada por nossos corpos quase sem desejos. Meu amor por você foi e sempre será, mais espiritual do que qualquer outra coisa. Até o ano que vem quando eu retornar a este lugar tão triste. Vou à igreja rezar e cantar, por nós. Espere-me no céu ou em qualquer outro lugar, que um dia estaremos juntos. Espero que nesse lugar não estejamos nós seis, mas só você e eu. Meu ciúme não suportaria entregar-te novamente para outros braços que não os meus. Livre de qualquer outro amor, mesmo noutras vidas ainda desconhecidas por mim. Para elas, só orações e para você, muito amor, mas, sem delas.