Solteirices - A Mulher Da Fila Do Banco. (Conto Um)

“... A imagem só pode entrar na corrente da consciência se for ela própria síntese e não elemento. Não há, não pode haver imagens dentro da consciência. Mas a imagem é um certo tipo de consciência. A imagem é um ato e não uma coisa. A imagem é consciência de alguma coisa.” Fechei o livro e joguei-o longe, ele foi parar do outro lado da sala, em cima do sofá. Executei este movimento, de me livrar do livro, no mesmo instante que mandava Sartre e sua Imaginação irem lá pra casa do Carvalho! Não estava no clima para as viajantes reflexões do filósofo francês. Liguei a televisão, zapeei e encontrei o programa do Chaves, isso, isso, isso! Agora sim, uma linguagem que eu entendo sem precisar pensar demais.

Era um sábado abafado às três da tarde e o apartamento fervia. O sol batia na cortina fechada tornando o cômodo quente como uma sauna. O ventilador ligado no máximo e eu ainda suando, sentado na cadeira de balanço em frente à TV, com as pernas esticadas para uma almofada em cima da mesinha de centro. Uma long neck de um lado e um pacote de fandangos do outro. Vestindo apenas o bermudão de dormir e, logicamente, sem cueca. O telefone toca.

“Pois não?” pergunto.

“Oi, tudo bem?” Voz sensual.

“Tudo bem sim. Quem è?”

“Sou eu, a Suiane, não se lembra de mim?” ela gracejou.

“Lembro, lembro sim” Lembrava porra nenhuma! “Então, o que aconteceu?” perguntei formalmente, tentando ganhar tempo, não fazia a mínima ideia de quem era Suiane. Suspeitei que fosse uma cliente do escritório.

“Não aconteceu nada, tô ligando pra conversar com você, só isso”.

“Sei...” Silêncio. Coço a cabeça fazendo uma careta, enquanto me pergunto quem seria a digníssima Suiane. Depois coço o saco, fazendo uma careta ainda maior, só que essa foi de prazer. Aquela coçada clássica, tá ligado? Aquela só com o dedão e o indicador. “Uh, delícia”.

“Quê?”

“hã?”

“O que você disse?”

“Nada não, pode falar.” Ri sem graça.

“Você não está lembrado de mim, né Raul?”

“Não é isso, imagina se... É que... Então... Pô desculpa, eu não tô lembrado de você não.” Admiti. Ela riu e falou:

“Não tem nada não, já faz muito tempo mesmo. Eu sou a mulher da fila do banco, do banco da Avenida Francisco Porto, lembra?”

No tempo em que ela falava, eu ia mudando minha posição na cadeira. Estava quase deitado e fui me ajeitando, me ajeitando, até ficar sentado numa postura bem ereta, e com um sorrisinho cínico nos lábios quando finalmente lembrei e a imagem de Suiane formou-se em minha cabeça: morena, olhos castanhos e miúdos, cabelos longos encaracolados e negros, coxas grossas, bunda arrebitada, bonita, de prosa fácil, falava balançando a cabeça e enrolando a ponta do cabelo no dedo indicador - Suiane, a mulher da fila do banco, claro, claro, como pude esquecê-la.

“Oi Suiane, agora me lembrei de você. Mas, faz tanto tempo, talvez uns seis meses?”

“Deve ter esse tempo todo mesmo. É que quando você me convidou para sair e me deu seu número de telefone eu estava namorando, sabe? Agora estou livre. Quer dizer, estou livre há mais de um mês. Só que nunca mais vi você lá na agência. Hoje tomei coragem e liguei.” Ela falou cheia de charme na voz. Mulher é foda! Vive falando de nós, homens, mas, elas sempre têm duas ou três cartas nas mangas, para quando estão sozinhas. Elas sempre alimentam, de forma discreta, como quem não quer nada, a esperança de um ou outro que elas percebam que estão interessados nelas. Deixam o cara meio que em banho-maria, saca? Nós homens não usamos corriqueiramente esses joguinhos de sedução, isso é típico da mulher. Nós somos ou oito ou oitenta, ou caímos matando ou dispensamos de imediato. Mesmo assim me senti lisonjeado. Afinal, fazia muito tempo que mulher nenhuma ligava para mim, excetuando-se as clientes, minha mãe e a minha caríssima ex-mulher, a palavra “caríssima” foi usada no sentido monetário mesmo.

Onde a encontrei não era a minha agência e nem meu banco. Fui àquele banco, pra pagar umas contas de um amigo, - meu sócio no escritório -, que estava adoentado, e a conheci enquanto esperávamos na fila. Conversamos por muito tempo até a chegada ao caixa. Eu gostei dela e acabei retornando a agência, por mais umas cinco ou seis vezes, só para tentar revê-la, e ela estava sempre lá. Recordo que era na segunda-feira a tarde que nos encontrávamos. Até que a convidei para ir ao cinema. Fiquei na expectativa durante toda a semana, como ela não ligou fiquei sem jeito de voltar ao banco, por isso, nunca mais dei as caras por lá. Ela me dizer que tinha um namorado, só faz confirmar a minha teoria, exposta no parágrafo acima, já que durante nossos bate-papos na fila do banco, ela nunca mencionou ser comprometida, nem mesmo quando a convidei para sair. Mas, mulher é bicho esquisito mesmo, todo mundo sabe disso.

Conversamos por quase vinte minutos, cheios de risinhos, brincadeirinhas, elogios e bibibi e bobobó... E, enfim, fiquei de buscá-la em sua casa no Sol Nascente.

Estou separado há cinco anos. Estou vivendo minha solteirice aos trancos e barrancos. Depois do tempo de reflexão e um pouco de depressão, que durou pouco, confesso, eu comecei a sair a torto e a direito. Onde tinha uma folia eu tava lá. Contudo, estava muito enferrujado na nobre arte da azaração e acabei não pegando ninguém. Para piorar, a maioria dos lugares que eu gostava de ir era frequentado por uma galera muito jovem, e eu estou com quarenta e cinco anos, meus cabelos estão grisalhos e minha barriga é volumosa, apesar de não ter aumentado nestes anos de descasado, o que já é motivo de orgulho e alegria, então, eu acabava sendo visto como o “tio”, o “coroa”, e isso começou a me incomodar. Ir para serestas, forrós ou coisas do tipo, eu nunca curti muito, mesmo assim eu ia, e nada, zero a zero. Sempre gostei, e gosto, é do velho e bom rock in roll. Mas, mesmo nos bares de rock, comecei a me sentir deslocado, como consequência disso, eu parei de sair. Hoje em dia vou a reuniões na casa de velhos amigos e marco meu ponto nas sextas-feiras à noite no meu botequim preferido. E, o pior de tudo, estou á quase seis meses sem molhar o biscoito, afogar o ganso, dá umazinha, fazer sexo, para ser mais específico. Para ser exato, faz cinco meses, três semanas, quatros dias, duas horas e dezesseis, não, dezessete minutos, um, dois, três segundos... A coisa tá feia mesmo, tá osso. A última vez foi com a Deisinha. Conheci a Deisinha num domingo á tarde, monótono e melancólico, quando passava os olhos nos classificados. Uma ligação, cinco minutos de conversa e pronto. Meia-hora depois ela chegou e viramos bons amigos por mais de um ano, até que a Deisinha foi tocada, não de forma obscena, ela foi tocada pelo divino espírito santo, Deisinha encontrou Jesus e parou com as visitas íntimas, para meu desespero, desde então. “Ah Deisinha” eu me pego suspirando algumas vezes. Tudo indica que agora vou tirar meu atraso. No entanto, fica aquela dúvida: Será que ela vai me dar no primeiro encontro, ou não? Eu, sinceramente, acho que sim. Não ficaria pensando mal dela por causa disso, além do mais ela é independente, decidida, e bem resolvida, não tem por que fazer doce. Contudo, como já disse antes, mulher é bicho esquisito.

O pensamento se ela ia me dar ou não, martelava em minha cabeça, enquanto eu me aprontava para o encontro, me deixando um pouco angustiado. Eu queria muito que ela me desse, mas, uma pontada de insegurança começava a me afligir. Eu tinha duas grandes preocupações:

1- O meu companheiro aqui em baixo falhar na hora H, me decepcionar, não levantar, não ficar altivo e viril. Ficar nervoso e querer dormir e não trabalhar.

2- Gozar rápido.

E de uma coisa eu tenho plena certeza, se a minha primeira preocupação não ocorrer, ou seja, o meu “camaradinha” funcionar a contento, como é de costume, a segunda é garantida, é batata. Na seca que estou é capaz de eu já ter terminado na hora que ela tirar a roupa, assim que ela estiver nuazinha, caso não aconteça antes mesmo disso, ainda nos amassos e preliminares, e mesmo que eu avance por todas essas fases, na hora do “vamos ver” não passará de três ou quatro estocadas e... já foi. Passarei vergonha. Tentei dissipar estes pensamentos e deixar as coisas fluírem naturalmente. Olhei-me no espelho mais uma vez, gostei do que vi, respirei fundo e fui encontrar Suiane, a mulher da fila do banco.