Indiferença

Eramos a riqueza um do outro. O resto, pobre, precário e instável não pesou no nosso afeto. Tínhamos um quarto na casa dos teus pais e, anos depois, a nossa casa na periferia. Levantávamo-nos de madrugada para cumprir horários na Fábrica e vivíamos felizes apenas com o essencial. Crescemos profissionalmente mas só o teu mérito deu frutos. Promoveram-te e eu, na retaguarda, assumi a ordem na casa, o acompanhamento dos filhos e tudo o que pudesse facilitar-te a vida. Distanciaste-te de nós. Obrigavam-te a saídas para outros países, a horários extra, a preparação de estratégias de produção que nos davam muito dinheiro mas que, gradualmente, secaram o nosso tempo e apagaram a nossa paixão. Nunca mais pude mexer no teu cabelo nem voltaste a deixar que te beijasse para não teres de retocar a pintura. Um certo desprezo impregna agora as tuas palavras, as pausas, o teu olhar. Eras luminosa e estás opaca; eras atenta e estás alheia. Onde guardaste a tua lealdade e o teu amor por mim? - Perdi-os, respondeste-me, agressiva. Estavas cansada, não querias discutir e ias para o Hotel essa noite, gritaste-me. Vi-te entrar no carro que te aguardava na rua e percebi o homem a passar o braço pelos teus ombros. Amanhã, quando voltares, já não estaremos à tua espera.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 31/03/2013
Reeditado em 31/03/2013
Código do texto: T4216915
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