Aguardavas. Para lá da cerca os presos arrastavam-se até ao paredão. Raros gritavam mas todos caiam, como bonecos moles, sem alma. Uma equipa de homens possantes carregava os corpos para a vala, imensa, aberta à esquerda a cem metros dali. Há dias que não comias nem te davam água. A sede gretou a tua boca e o corpo todo ardia numa espécie de febre. Morrer era agora um desejo intenso já que a morte seria o fim daquele suplício, a libertação. Depois ele viu-te. O que faria uma mulher como tu naquele inferno? Deu ordens a teu respeito e depressa te deram comida, água, e cama. Esperavam que falasses mas nada tinhas para dizer. – Inventa – disse ele. E tu, olhando-o nos olhos, falaste. Contaste de um tempo liso, morno, onde todos cabiam. Contaste do amor, da fuga da casa de teus pais para outro lugar para seguir o teu destino. Dois filhos perdeste na guerra e a casa desapareceu nas chamas do fogo posto. Sem o homem, sem os filhos, sem terra, poderias viver mas já não querias – disseste – Por ti ele já nada poderia fazer exceto antecipar tua morte. Esse benefício pagarias com o corpo mas, garantiste-lhe, tudo o que dá vida, cor, força e alegria à carne já não tinhas para oferecer. Ele quebrou o silêncio para perguntar: - Queres morrer? E tu respondeste : - Dispara, por favor.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 30/03/2013
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