Lendas de vizinhança?

Já pararam para notar as lendas que existem em algumas vizinhanças? Aquelas lendas que circulam geralmente nas bocas das tais "crianças adoráveis" que circulam perto de nossas casas. Geralmente são lendas sobre casas com fantasmas ou vizinhos com segredos assustadores, além de serem em sua maioria mentiras contadas por adultos que ou desejaram distrair as crianças em determinado momento ou inventaram tais histórias por desgostar da pessoa referida na história.

Uma coisa é certa: se você não sabe de nenhuma dessas histórias, muito provável que estejam contando histórias sobre a sua pessoa, ou se der sorte, que a sua vizinhança seja boazinha e não crie nada sobre ninguém. O que é impossível.

O que me faz lembrar de uma história.

Nos meses de outubro e novembro de aproximadamente dois anos atrás chegou aos meus ouvidos um boato deveras interessante: Havia um menino que morava na apurinãs que vez ou outra fazia rituais satânicos, andava com camisa de mortos e fazia ocultismo que era deveras barulhento durante a noite!

Óbvio que achei muita graça da notícia, e cheguei até a procurar saber quem era o menino, porém sem sucesso. Obtive algumas informações rasas e difusas, com certa dificuldade, como inúmeras descrições físicas do indivíduo, das quais algumas vezes eram descrições femininas; caracteristicas dos tais "rituais", esses por sua vez tinham uma descrição mais uniforme, eram ditos como rituais ruidosos, que vinham de local desconhecido e com música alta, composta em sua maioria por sons similares aos de tambores e algumas informações absurdas adicionadas provávelmente por picuinhas.

Ocupado com alguns afazeres decidi terminar a busca infrutífera. Porém, um dia tive uma iluminação divina e resolvi fazer uma experiência. Modificar um dos meus hábitos mais recorrentes: ouvir musica. Ouviria menos, ou com fones de ouvido, apenas ouviria de uma forma mais silenciosa. Talvez não desse em nada, mas quem sabe desse em alguma coisa.

Surtiu um parcial efeito, o boato modificou de uma certa forma. A base dele, "o menino que fazia rituais satânicos" se manteve, mas agora diziam que o menino "aceitou Jesus", ou "se afastou dos caminhos do tinhoso". Porém, os acontecimentos mais interessantes são que: eu soube diretamente da história, sem ter que perguntar inúmeras vezes ou ouvir conversas dos outros e a mudança do comportamento das pessoas comigo e com os vizinhos em geral. Então, decidi dedicar um pouco mais de atenção a essa história e resolvi conversar com uma daquelas vizinhas tricoteiras de janela que sabem de tudo... tudo o que elas inventam, claro.

Conversando com elas com uma pequena regularidade consegui cruzar algumas informações e tracei um perfil do infeliz acusado: Pele escura, alto, não possui corpo atlético, aparenta ser inteligente, veste-se de preto frequentemente e "costuma falar sozinho nas ruas como se falasse com alguma espécie de espírito, ou apenas estivesse alucinado devido a alguma erva utilizada nos rituais".

Achei que era o José Gonzales (nome fictício óbvio, se fosse de verdade eu moraria numa colonia de imigrantes latino-ameicanos) que mora perto da minha casa. Bate parcialmente com a descrição que eu tinha e era um vizinho que, como eu, era bem isolado das outras pessoas, de certa forma até mais, pois a família dele não era muito adorável com os vizinhos. Porém, o Zé Gonzales e sua família se mudaram na época e não pude perguntar diretamente a ele e tirar minhas conclusões, e a história foi para o fundo da gaveta da minha memória e, principalmente, para o fundo da gaveta das memórias dos vizinhos.

E é assim que essas histórias existem, são um ciclo infinito de boatos e boatos criados por vizinhos para criar alguma emoção na rotina deles. Alguns boatos são até bons para ouvirem, fazem-nos rir. Alguns são mais sérios e deveriam nem ter sido criados. Mas eles vem e vão com o vento, então esqueçam-os. Ou riam de todos.

Aliás, uns dias depois dessa história toda uma daquelas vizinhas passou aqui em casa para almoçar e súbitamente lembrei-me do assunto e perguntei a ela alguma outra informação adicional e ela me deu algo conclusivo: "Os sons vinham de uma casa de três andares". Minha casa tem três andares... era eu. No dia seguinte decidi sair com um colar com um pentagrama só para meter mais medo ainda. Deu certo e fui imortalizado como "o menino ocultista da apurinãs". Ao menos até quando eles continuarem lembrando dessa história.

dos Santos Silva
Enviado por dos Santos Silva em 30/03/2013
Reeditado em 31/03/2013
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