O jornal, o caipira e a bosta voadora

Entrei no bar como fiz diariamente nos últimos cinco anos. Hoje em especial estava com uma caganeira que me fodia de hora em hora. O Jaime oferecia a cerveja mais barata da cidade, e o banheiro mais tosco. “Hey Jaime! Me empresta um rolo de papel higiênico?” “Você nunca precisou disso.” “Seu verme sujo!” Levantei pensando que ficaria sem as meias e cueca. Estava cagando e pensando: “Só um escroto como eu pode cagar neste lugar!” Notavelmente eu não tinha sido o único, nem o último. Tinha resto de muita gente por ali. Um espírito de porco escreveu com os próprios excrementos na parede: “otário!”

Voltei para o balcão com a calça embostecida. Achei por bem manter um jornal por perto. A manchete dizia: “Governo altera padrões curriculares”, com a foto da presidente sorrindo embaixo. Cago na cara dela! “ONU não confirma sanções a China”, a linha fina esclarecia: “País se negou a assinar tratado contra trabalho escravo”. Logo ao lado alguma coisa sobre Israel, que não esta nem ai para paz ou a não proliferação de armas nucleares. Uma notícia sobre futebol também ocupava espaço na metade de cima. Foi no pé da página, na coluna social com uma apresentadora de TV, que meu intestino me lembrou que eu estava cagando para tudo isso. Me limpando na cara da presidente concluí que não sou o pior brasileiro de todos os tempos.

Juntei toda minha falta de perspectiva com o meu descrédito no presente e pedi mais uma cerveja e dois ovos de codorna. Um caipira cheio de lama entrou e pediu uma pinga. “Tem alguém cagado aqui?!” O Jaime olhou para mim com desdém. O caipira me cutucou: “Você lavou sua calça no chiqueiro ou este cheiro esta saindo de você?” Depois deu uma risada alto. Se quisesse encontrar amigos ia no cemitério ou no Facebook. Estava cagando para piadas. Me voltei para o jornal e o caderno de economia anunciava uma crise. Meu intestino trabalhava num ritmo alucinado. Era para ser só um peidinho, mas uma caldinho quente começou a escorrer pelas minhas pernas. Agarrei o jornal e sai andando com um pouco de pressa. Não entendi direito, mas acho que o caipira gritou alguma coisa sobre eu estar deixando um rasto de merda. Respondi que se ele seguisse o rasto ia chegar na casa da mãe dele.

Estava sentado na privada me informando sobre o novo plano econômico quando chutaram a porta e ela voou na minha cara. Cai para trás, jorrando merda mole para todo lado. O caipira tirou a porta de cima de mim e veio como um lobo para devorar um cordeiro. Enfiei a mão naquele vaso cheio de bosta e joguei na cara dele. Ele foi para trás tentando limpar a cara. Levantei com a calça arriada e zonzo. Então ele veio de volta com um direto de direita que me colocou no chão com meu próprio chorume. Joguei mais merda nele, mas como não tinha forças não sei se acertou. Milagrosamente o Jaime apareceu impedindo que eu tomasse um chute nas bolas. Os dois saíram do banheiro.

Fiquei ali caído por mais algum tempo. Quando levantei eu e a merda éramos um só no chão. Voltei pelado e andando como um caranguejo pelo bar. O Jaime arremessou umas roupas em cima de mim e começou a gritar qualquer coisa que não dava para entender. Deduzi que ele estava me chingando. Mesmo assim ele era meu herói. Me aproximei para dar uma abraço, mas ele me empurrou com a vassoura e cai. Olhei em volta e tudo parecia estar se mexendo. O caipira não estava mais lá. Não tinha mais ninguém lá. Murmurei alguma coisa e saí em direção a lugar nenhum.