Encontro Inesperado

Mesmo com o ar condicionado deixando o ambiente quase gelado, eu sentia um calor insuportável, uma constrangedora gota de suor insistia em deslizar por minhas costas, tudo o que eu queria era estar bem longe, em casa, sentada no sofá com um livro nas mãos, talvez vendo televisão ou mesmo sem fazer nada, somente aproveitando a tranquilidade e a segurança que só sentimos no aconchego de nossa casa... Casa...Que casa...Acabei de saber que teremos que vendê-la, devido à partilha dos bens, em nosso acordo “amigável” de divórcio. Como sempre, Célio, agora meu ex-marido, fizera tudo da forma mais organizada possível: chamou-me, após o jantar − formal e requintado −, para dar a notícia de sua decisão, com os documentos e o acordo prontos, até a audiência no fórum já estava marcada; fico a imaginar por quanto tempo ele viveu ao meu lado, mentindo, fingindo que estava tudo bem, enquanto elaborava, nos mínimos detalhes, o golpe final em nosso casamento de dezenove anos.

Agora, aqui estou no segundo andar do fórum da cidade – onde nem em sonhos imaginei que um dia estaria −, esperando pela audiência que definirá legalmente o que me pertence ou não, como se cada objeto, com suas lembranças e familiaridades, não passassem de valores num acerto de contas de negócios; acho que meu casamento se resumiu exatamente nisso: um simples negócio.Mas, mesmo não sendo perdidamente apaixonada por meu ex- marido − coisa estranha e difícil de acostumar −, sinto-me derrotada, perdida, sem saber o que fazer, completamente aparvalhada...

Para tentar esfriar um pouco a cabeça, resolvo ir ao primeiro andar do prédio, onde está sendo exibida uma exposição de arte, descendo as escadas, vejo pinturas a óleo maravilhosas; quem sabe com isso consigo esquecer o que me aguarda... Ando pelo salão iluminado, observo cada detalhe das pinturas, as cores, a beleza dos traços, lindo e estranhamente familiar; tento ler quem assina os quadros, não consigo reconhecer o nome e pergunto a um rapaz ao meu lado se ele conhece o artista, sorrindo, ele indica uma mesa, do outro lado do salão, onde o pintor está sentado, começo a atravessar o salão lotado para poder cumprimentá-lo e ao me aproximar um pouco mais, consigo ver seu rosto de perfil e imediatamente paro, quase perco os sentidos; não pode ser Luis Claudio, meu grande amor da juventude, seria muita ironia, depois de vinte anos... Encontrá-lo justamente hoje...

É tudo tão irreal, como se eu estivesse vendo um fantasma do meu passado, ali, há poucos metros de distância... Luis Claudio... com uma aparência jovem, elegante, bem sucedido − incrivelmente diferente do rapaz pobre que conheci na adolescência, a cabeça cheia de sonhos e a carteira vazia −; vejo que conseguiu realizar seus sonhos artísticos, ficou famoso, tornou-se profissional.

Sua presença me faz mergulhar nas lembranças, nossos encontros proibidos, quando eu te esperava, ansiosa, atrás do muro da escola, com medo de que alguém nos visse; nosso amor era tão puro, éramos jovens e inocentes, para nós, tudo era tão simples, sonhávamos com um futuro cheio de amor, beleza e arte; ele queria ser um pintor famoso e eu uma cantora de sucesso; sonhos que minha família achava impossíveis, apenas tolices de um rapaz miserável, que estava tentando dar o golpe do baú, numa moça rica e boba como eu, que poderia ter uma carreira promissora, uma vida brilhante.

Meus pais nos perseguiam, tornando o namoro cada dia mais difícil, ameaçaram matá-lo se eu insistisse em continuar o romance, então, para salvá-lo, decidi acabar com tudo, aceitando as imposições familiares, me formei no que queriam e pior, me casei − como meus pais desejavam −, com um rapaz “adequado”; que hoje vai divorciar-se de mim, sem maiores explicações. Descobri da pior forma, que o casamento sem amor é uma prisão sem muros, enquanto Célio galgava posições nas empresas de meu pai e colecionava namoradas, eu me tornei uma pessoa fria, uma dona de casa frustrada; a tristeza fez com que eu nunca mais conseguisse cantar; fui ficando murcha, seca; observando as rugas destruírem meu rosto e minha alma morrer um pouco a cada minuto.

E hoje, o destino resolveu torturar-me ainda mais, colocando único amor que tive novamente em meu caminho; preciso sair daqui antes que Luis Claudio veja a mulher horrível que me tornei, não suportaria receber, depois de tantos anos; de alguém que nunca pude esquecer, um olhar de pena, ou repulsa; sei que se isso acontecesse, eu morreria aqui mesmo, no meio do salão − causando um enorme escândalo −, o que uma mulher da minha “posição”, não poderia se dar ao luxo.

Tento desviar das pessoas e encontrar a saída, fugir, correr, desaparecer, mas o local está muito cheio e sou obrigada a andar devagar, quando finalmente chego às escadas, sinto um toque gentil em meu ombro, paro, sabendo exatamente quem está atrás de mim, giro o corpo lentamente, não há como escapar; ele sorri, ficamos assim, parados, olhos nos olhos, vinte anos de amor perdido girando em nossas mentes; todo meu temor desaparece diante de seu olhar doce, nostálgico, não me sinto mais feia, nem miserável, sou novamente a menina cheia de sonhos; estamos mudos, pois não haveria palavras para descrever o que sentimos, nossos corpos estão tão próximos, sinto a iminência de um beijo, me entrego aos sentimentos, seguro suas mãos e me aproximo mais, pronta para destruir as barreiras; mas o encanto é quebrado pelo som dos autofalantes chamando-me para a audiência; lhe solto as mãos e vou subindo as escadas com lágrimas nos olhos, antes de chegar ao último degrau, ouço-lhe a voz ecoando no salão:

−Maria Helena, saiba que eu não te esqueci e que você está mais linda do que nunca!Você é a musa que sempre inspirou as minhas obras!

Não respondo, subo correndo em direção à sala de audiências, mas, algo de repente mudou dentro de mim, a tristeza e a sensação de desamparo que eu sentia desapareceram, suas palavras, as únicas depois de tantos anos, foram tão poderosas que livraram minha alma do desespero, sinto-me confiante e com coragem para iniciar uma nova vida, enfrentar o divórcio e voltar a viver, talvez a amar novamente, ou reatar uma antiga paixão. Somente o tempo, meu amigo e carrasco é que poderá dizer.

Ana Rosenrot
Enviado por Ana Rosenrot em 28/03/2013
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