África Anos Cinquenta
Crescemos naquele fim de mundo, mato cerrado, raras pessoas e um calor de matar. Nem cheiro de civilização. O jornal que chegava tinha sempre mais de um mês e as notícias não oficiais procediam do estrangeiro e era um risco desmedido ouvi-las. Muitos desapareciam para sempre por causa da política. Do cinema sabíamos mas ficava na cidade, para lá de muitas horas de poeira, chuva e lama na carroceria aberta de um caminhão. Fazia, portanto, sentido que, à roda da fogueira, no pátio da casa, me pedisses: conta-me uma história. E eu trazia ao convívio da família e dos trabalhadores mais chegados, a vida de gente da Europa, mulheres perfumadas, homens de gravata de seda e falas mansas. Todos gostavam de contos fortes, cabeludos, misteriosos. Algumas das histórias eram de arrepiar, outras de amor e emoção. Contava-as a mim mesmo mas em voz alta e ia imaginando outras terras e novas pessoas para embalar os meus sonhos. O que dizia era logo reproduzido no dialeto local e as reações não se faziam esperar. O branco viu tudo isso? É mesmo? Como ele conhece o outro lado do mundo, admiravam-se, enquanto tu, já moça feita, exigias: só das românticas, tio, só das de amor. E a noite acendia mais e mais estrelas até que, um a um, saíamos para dormir.