Filho dos outros é refresco.
Joelmir dispunha de trinta minutos para comprar o cartucho de sua impressora antes da última sessão daquele filme que estava prestes a sair de cartaz.
Ao contrário das últimas tentativas de assistar a película,desta vez ele chegara com antecedência e já estava com o ingresso na carteira.
Esse negócio de comprar o tíquete pela internet não era com ele.
Apesar de não ser rato de shopping,sabia que cinema de rua era coisa do passado e tentava se adaptar aos novos tempos.Morra a nostalgia!
Perto da loja de informática encontrou um casal amigo que estava com o filho de três anos.
Joelmir não era espírita mas acreditava que,se existisse reencarnação,em alguma vida anterior teria sido padre;isto por que sempre que conversava com um amigo,conhecido ou mesmo alguém que via pela primeira vez acabava,depois de certo tempo de papo,ouvindo as reclamações,lamúrias e até confissões inesperadas da pessoa,tal qual fazem os sacerdotes da igreja católica.
Psicólogo seria uma outra possibilidade,mas,além dos padres existirem há mais tempo,preferia imaginar-se numa outra existência rezando uma missa do que aturando um bando de neuróticos.
O casal não fugiu à regra e,cinco minutos após o início da conversa,já despejava nos ouvidos do nosso personagem suas angústias:
__Joelmir;você não sabe o que é criança pequena __dizia o marido,enquanto segurava o filho no colo
__Deixa de exagero Charles__respondeu sorrindo Joelmir
__Não brinca não Jô__disse a mulher__É pauleira!
__Mas eu lembro que vocês eram os mais entusiasmados com esse negócio de filho...
__Não,a gente não se arrepende__corrigiu prontamente Charles__Tem o lado bom,a troca de afeto,as brincadeiras...Mas o preço é alto.
O pai colocou o menino no chão,pois ele já dava sinais de descontentamento.
__Quando ele quer alguma coisa e não recebe logo começa a chorar numa altura que você não imagina__falou a esposa,enquanto ajeitava a chupeta nos lábios do filho.
__Ele é genioso que nem eu,Lúcia__comentou o pai__Vou pagar língua.
__Essa chupeta ....__disse Joelmir,olhando para o garoto
__Eu sei que faz mal__falou Lúcia,entendendo a bronca do dentista__Já tentamos tirar mas,em algumas situações, é a única coisa que faz ele ficar quieto.
__Vamos esperar o natal.Aí eu convenço ele a deixar a "pepeta" embaixo da árvore para o Papai Noel.Comigo foi assim...__não havia muita confiança na voz de Charles.
__Pode funcionar__ponderou Joelmir__Mas,mudando mais ou menos de assunto:viram a foto do filho da Blenda no "face"?
__E nós temos tempo de entrar no facebook?__protestou Charles,ao mesmo tempo em que evitava que o filho batesse em outro garotinho que passava por eles de mãos dadas com a mãe.
__Ela não tinha perdido o bebê?__perguntou Lúcia,aparentando surpresa.
__Ela perdeu um bebê há dois anos,com cinco meses de gestação.Esse é outro filho;nasceu semana passada com muita saúde.
Depois de assoar o nariz do menino,Lúcia respondeu:
__Que bacana!Vou ligar para ela...Mas e você?__deu uma risadinha maliciosa antes de perguntar__Quando vai parar de enrolar a Isaura?
Esta era a pergunta que Charles ouvia cada vez mais.A resposta sempre estava na ponta da língua:
__ Agosto.
__Marcaram o casório pra Agosto?__Lucia deu um gritinho histérico__Que legal!
__A gosto de Deus Lúcia!A gosto de Deus!__e deu uma risada de chacota
__Você não presta Jô__falou rindo Lúcia__É um ótimo dentista mas não presta
O garotinho tentou agarrar a bolsa de uma senhora que passava e foi contido pelo pai.Em protesto por tamanha arbitrariedade,o pequerrucho usou todo o seu extenso vocabulário e disse:
__Nenê não gosta do papá nem da mamã__e começou a berrar a plenos pulmões,numa atuação de dar inveja a qualquer cantor de ópera__BUÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ.
__Está vendo como é o nosso dia a dia?__falou Charles,resignado,enquanto ajudava Lúcia a conter o iluminado.
Aproveitando a deixa,Joelmir se despediu.O papo havia consumido todo o tempo que seria utilizado na compra do cartucho.Ainda tinha que encontrar Isaura,e se não fosse naquele instante para o cinema entraria na sala de projeção com o filme já iniciado,coisa que detestava.
Os gritos do moleque ainda ecoavam em seus ouvidos quando avistou a namorada em frente a bilheteria.A moça estava,como sempre,muito arrumada.
__Você demorou!
__Encontrei com o Charles e a Lúcia.O filhinho deles está bem crescido__resolveu não falar dos gritos;mulher costuma não gostar de homem que fala mal de criança.
__Toma!__Isaura estendeu um embrulho para ele
__O que é isso?
__Eu peguei aquele seu cartucho vazio e mandei recarregar numa loja lá perto do trabalho.
__Mas eu tentei numa loja do meu bairro e eles disseram que esse tipo não recarrega...
__Mentira.Eles queriam te empurrar um novo.
Charles abraçou a namorada e deu-lhe um beijo.
__Estou com as entradas__disse ele__Vamos logo.
Minutos depois,acomodados dentro da sala e comendo pipoca,Isaura olhou para ele e disse rindo:
__Meu "namorido"!
A sessão começou.
Charles,inebriado pelo perfume suave da "namorida",e sentindo o toque delicado dos lábios dela nos seus,concluiu que era hora de parar de apreciar os traillers e começar a curtir o filme principal.