MÃE

Debaixo de um viaduto, no meio de entulhos de construção e sacos de lixo, dividindo com ratos e baratas o tosco casebre feito com caixas velhas de papelão e restos de madeira, abandonado à própria sorte, encontrava-se um homem tremendo de frio e de fome. Estava miseravelmente imundo e doente. Quem o examinasse veria em uma de suas pernas um inchaço que o impedia de levantar, oriundo de algum ferimento mal curado, má circulação ou doença renal crônica, cujo estado inflamatório fora agravado talvez pelas péssimas condições de higiene em que ele se encontrava. Enrolado em jornais, jogado sobre um colchão velho manchado de urina e fezes, febril, delirava, sufocado pelo odor nauseabundo que exalava dele mesmo. Quem passasse por ali, caso tivesse o interesse ou a curiosidade de saber as condições daquele pobre homem, é possível que escutasse suas preces fervorosas, mescladas de arrependimento, vergonha, perdão e palavras desconexas sobre uma imensa riqueza que tivera um dia, há muito tempo, quando era jovem e que perdera tudo quando se entregou ao mundo abominável de prazeres carnais e vícios descomunais.

Em algum lugar muito distante dali, bem distante, uma pobre mãe com o semblante desesperado e aflito e uma dor profunda, atormentada por visões diabólicas, orava fervorosamente suplicando a Deus por seu filho desaparecido há muitos anos e implorando, pedia a Nossa Senhora do Amparo que amparasse seu rebento perdido e que lhe enviasse um anjo para que o guiasse de volta.

O homem debaixo do viaduto sentiu de repente a dor passar e com muito esforço, cambaleante e ainda tonto pela fraqueza da fome, levantou-se disposto a voltar para casa e para sua mãe. Viu a febre passar quando sentiu o suor frio gotejar e lhe banhar completamente as roupas esfarrapadas.

Quem passasse por ali, caso tivesse o interesse ou a curiosidade de saber as condições daquele pobre homem, é bem possível que, no meio de entulhos de construção e sacos de lixo, iria ver um anjo exausto caminhando ao lado dele.