Zico
Foi assim desde criança. Amarrado com uma linha à perna da mesa, ali ficava, cumprindo o castigo em perfeita imobilidade. Os olhos perdidos num ponto que ninguém poderia precisar e a cabeça, solta, a vaguear ao sabor dos pensamentos. Nunca se incomodou por ficar isolado e sozinho. A mãe tremia só de pensar que a criança poderia não ser normal mas a realidade do menino contrariava o susto. Raciocinava como ninguém e a sua sensibilidade ia muito além do que era vulgar em crianças da sua idade. Naquele dia, no entanto, Zico, o menino, deixou a avó aterrada. Ela acabara de constatar a sua loucura e chorava, inconsolável. – Mas, afinal, o que foi que se passou? – Perguntou o pai a tentar serenar os ânimos. - Diz ao teu pai, Zico, o que me disseste, filho. Vá lá. E o menino, do alto dos seus dez anos diferentes, contou que, ao olhar o azul abstracto do quadro da sala onde, uma vez mais, cumpria o castigo, sentiu, e confirmava, nunca ter tomado tão agradável banho de mar. - Tudo aconteceu na minha cabeça e foi perfeito, pai. Vi a água, o céu e a luz. Nem calor nem frio ou medo. Aquele mar, gente, era excelente, concluiu. O pai, perplexo, preparou-se para o pior mas o médico da família garantiu que a criança, sem defeitos de maior, nascera poeta.