Ovos mexidos.

Cenário: cozinha de um apartamento bem simples, com barulho de alguém tomando banho.

Personagem: narrador, vestido apenas com uma bermuda de pijama, preparando um café da manhã no fogão.

Ato único.

OVOS MEXIDOS

Narrador:

Sabia que existe uma casca por baixo da casca do ovo? É uma casca frágil, muito fina, se rompe com a menor pressão. Estou me sentindo assim agora, acho que vou me romper a qualquer momento, é engraçado, será que tenho uma gema?

Hoje é 4 de julho. Adoro esta data, tem um Q de americano.

Vai fazer um ano que estou com a Julia, um que estou sem a Paula e dois sem a Ana, e ainda hoje tenho que conhecer alguém.

_ “Julia seu café esta quase pronto!!!!!”

Elas adoram ovos mexidos, eu odeio, se as galinhas menstruassem elas estariam comendoa menstruação mexida, me tira até o apetite, mas elas adoram, deve ser pela possibilidade de conter algum esperma do galo, é a força da natureza.

_”Julia você quer “sua menstru....”ops, seus ovos bem mexidos?”

Quando assisti “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado “achei fascinante mas não entendi a parte que explicava o motivo das mortes, devo ter cochilado, ai então me veio uma vontade de ser um psicopata, mas me faltava insanidade.

A obsessão me fascina, é como ter um dom é como falar inglês deve ser por isso que há tantos psicopatas americanos, talvez a chave seja o inglês.

Eu e a Julia vamos terminar hoje. Bom, na verdade quem vai terminar será ela, ela vai morrer, mas não sei, eu sei, faz um ano que sei, é que quando surgiu a vontade de ser um psicopata, resolvi investir no meu desejo, já matei duas pessoas, a Ana e a Paula, duas pessoas lindas, maravilhosas, adorei conhece-las, mas estão mortas.

_”Não é ? Paula, Está me ouvindo?”

Os mortos falam? Uma vez ouvi uma espírita dizer que não. Ela disse que os mortos não se comunicam com os vivos, é o espirito quem se comunica. Impressionante! É este tipo de pensamento louco que me falta, eu sou muito normal, não consigo entender as coisas insanas da vida, nem isso de espírito morto e espirito vivo, é como se eu dissesse que quem dar não é a puta e sim a vagina, mas uma não esta na outra e a outra não esta na uma? Então?

Mas nenhuma das finadas eram putas, tudo moças direitas, moças que amei e amo, se bem que se uma delas quisesse ser, me casaria com uma e teria a outra como amante.

Ana seria a amante, ela era mais lubrificada e falava muito, não conseguiria viver numa casa com uma pessoa que fala muito. Esses tipos de pessoas nos impedem de ouvir as nossas diversas vozes, essas pessoas nem nos deixa ouvir Deus, tem uma gula das palavras que até se engasgam, suas frases são vômitos.

Quando pequeno enjoava em ônibus, odiava os ônibus, seus cheiros, os balanços, Ana era um ônibus, ônibus com as janelas fechadas, ela fazia com que eu me vomitasse, vomitasse todas as minhas frases, é como ver alguém vomitando, da náusea, se eu me casasse com a Ana viveria nauseado.

Já a Paula era rouca tinha a voz grave era uma sensualidade, mas só aparente, na cama era uma brasa morna, mas me divertia, falava o essencial, com ela eu me ouvia por completo, dava para sentir o estômago, ela era o resumo do resumo, economizava o quanto era possível suas palavras e quando as usavam nunca escolhia as comuns, tinha uma suavidade bíblica, quase santa.

Sempre tomávamos chocolate quente à noite, e eu que nem gosto de chocolates, mas ela nunca me perguntou, talvez pela sua avareza de palavras, e eu que não gostava de chocolates adorava aquele silêncio, queria tomá-lo todo cada gota, tenho sede de silêncio. A morte é silêncio e é sublime. O que morre sempre se torna sublime, não importa o que tenha sido em vida, mas morto...

“Ela era uma mãe sublime...”

“Ele era uma pai sublime...”

Nos seremos amigos sublimes.

Adoro o sublime, inspira bondade, eu sou bom por natureza se cometo alguma maldade é só por maldade, mas no âmago sou bom, de alma pura, me sinto todo amor.

“L’amour est un oiseau

rebelle que nul ne peut apprivoiser

et c’est bien en vain qu’on

l’appelle

s’il lui convient de refuser.

Só a morte segura o amor. Como diz a música:

“O amor é um pássaro rebelde

que ninguém pode aprisionar,

de nada serve chamá-lo

pois só vem quando quer”.

A morte é a pausa de tudo, onde ela chega tudo para, o tempo, a vontade, a vida, menos o desejo, meu desejo por Julia.

Julia é tão linda, tão perfeita nunca pensei em ter uma mulher assim, mesmo quando desfigurada, pela raiva ou pela dor, é linda uma beleza clássica, de olhos tão intensos, mesmo quando frios, suas formas é uma receita dosada nada além de belo e perfeito, a boca mais linda que já tive, uma boca úmida, úmidez na medida certa, a medida do perfume e do gosto, de saudades e lembranças, a medida ideal para se sonhar e se viver, a boca que me pede e me chama, e como não sou machista me proponho a qualquer papel no teatro do sexo, do dragão ao príncipe, proponho-me a ser até platéia se espetáculo já tiver começado, tudo por Julia, um sonho de onde vou acordar. Os sonhos são bons, mas não da para viver dormindo temos necessidades que só podem ser satisfeitas quando estamos acordados, e aqui estou eu preste a servir um ultimo sonho a Julia, seus ovos mexidos. Chega me dar uma tristeza, não uma tristeza triste, mas uma tristeza cansada, sem rima, sem eu, porque sou rima, sou risos, mas chega de tristeza hoje é o dia da Julia, nada pode estragar.

Ela é formada em jornalismo e sempre me diz que vai ser porta voz de uma grande notícia, espero que para ela, ser a notícia tenha a mesmo importância que anuncia-la, pode ser que uma dia ela me agradeça, mas o importante é fazer o que tem de ser feito.

O pior é que falta muito para que eu seja um psicopata, eles nem associaram as duas mortes, nem falaram dos ovos mexidos, do cianeto e acho que também não vão associar esta terceira morte, será que sou perfeito nesta arte? Talvez tenha escolhido o caminho mais longo já que poderia ter pegado um atalho, mas a minha glória vai chegar, já tenho meu discurso e tudo, a primeira coisa que vou dizer será:

_Não fui eu, seria incapaz de fazer mal a uma mosca...

E é a pura verdade, não tenho nada contra as moscas, não suporto pernilongos, por eles até criei uma paixão por aranhas, adoro as aranhas, aquele silêncio, a espera por uma vítima, a refeição. ESPERA, VÍTIMA, REFEIÇÃO, são as minhas inspirações. Sem contar que tenho que aprender a chorar, ainda não sei, mas tem que ser o choro dos soluços, sem esteria, quero elegância no meu momento.

Acho que ovos devem estar bons.

Uma colega me disse que o cianeto mata, mas não deixa vestígios, não sei se é verdade, mas em mim ele deixou marcas enormes, eu me tornei uma marca dele.

Não sei se era aqui que queria chegar quando comecei, mas sempre termino tudo que começo.Antes de isso tudo terminar quero escrever um conto, um conto sem historia, só para me expressar, um conto de mim, com minhas idéias, mas não sei se será um conto, não sei o que é um conto, para mim conto é o que se conta, este meu monólogo seria um conto, pois não estou te contando?

Quando vocês contarem isso para alguém se lembrem de contar que eu não sabia o que estava fazendo por que realmente não sei, só acordei com uma vontade de ser um psicopata, e estou tentando ser, há explicação para o desejo? O desejo se deseja, não se explica, eu sou só desejo, morrerei do meu desejo, como Julia, que vai morrer pelo seu desejo de ovos mexidos, ela não esta contando com o cianeto, eu também não estou contando com o futuro, mas ele virá, por que ele sempre vem, mesmo para os mortos, nós é quem nem sempre o seguimos, eu é que me perdi e não me acho mais, eu que dia 4 de julho do ano que vem estarei preparando mais um dos meus ovos mexidos e estarei amando de novo e estarei triste e satisfeito, porque nem sempre a felicidade é o objetivo de todos.

_”Vem Julia , temos muito que conversar, seus ovos estão prontos, estou com saudades, hoje coloquei uma tempero novo, vai ser inesquecível.”

Cobalto
Enviado por Cobalto em 20/03/2007
Reeditado em 19/12/2012
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