Surpresa Ingrata.

Quando vim morar em Maceió, senti profundamente ter deixado para trás, longe daqui, lá para as bandas do sul, meu grande amigo Renan. Vim aceitando um convite da universidade para lecionar uma determinada matéria no curso de graduação em Psicologia.

Chegando, a primeira pessoa que conheci fora justamente um dos professores da cadeira de psicologia, doutor Everton. Sujeito humilde, muito culto, solícito e que logo conseguiu ambientar-me no novo núcleo de amizades a que tive acesso.

Renan e eu mantivemos um bom fluxo de correspondência. Certa vez, ele, de férias na Paraíba, ligou-me; era o finalizinho do ano e estávamos todos nos preparativos para o réveillon.

-E aí, amigão, passaremos ou não a virada do ano juntos?

-Eh ..., está em cima da hora....

-Não senhor! Arrume tudo e venha. O hotel, nós dividiremos aqui. Veja aí papel que vou dar-lhe o endereço. É onde já estou hospedado. Aguardo você .

Tive um problema de certa forma desagradável com meu amigo Everton. Ele queria ir comigo e eu, infelizmente, não o pude levar. Era final de ano, família reunida, ele não conhecia Everton. E assim eu fui sozinho. Tivemos uma boa estada na Paraíba e pudemos matar a saudade acumulada. Nossas famílias eram bastante unidas.

Aproximadamente dois anos após essa data, recebi Renan em Maceió; já estava morando melhor e fiz questão de hospedá-lo. Aproveitei para apresentar a ele o outro amigo. Fizeram uma boa amizade. Passaram a corresponder-se também regularmente, como ele e eu. Estreitaram a amizade e entre nós três, agora, havia apenas uma trindade amiga.

Ouvi Renan jogar muitos elogios a Everton. Sempre me dizia que ele era um sujeito muito bom, preparado para a vida, além de culto e um psiquiatra de mão cheia.

Estive aqui em novo ninho de amizade e de convivência e iniciei a cata de outras novas amizades e não posso queixar-me das tantas que fiz. Minha amizade com Renan sempre arrumava motivos para se fortalecer ainda mais.

Lembro-me de que era setembro quando recebi o telefonema. Soube que a mãe de Renan havia morrido e iria ser enterrada em Erechim. Providenciei passagem aérea, transferi compromissos e arrumei a mala de viagem. Lembrei-me de ligar para Everton e contar-lhe do acontecimento.

-Se eu pudesse iria com você até o Rio Grande do Sul. Mas não posso. Diga-lhe dos meus sentimentos e que estarei catando um dia de folga para ir vê-lo. Iremos juntos.

Estive com Renan entre lágrimas emergidas de profunda tristeza. Achei-o meio abatido,cor enxofrada, certo cansaço ao articular as palavras. Perguntei-lhe sobre sua saúde e não me acrescentou muita coisa.

-Estou bem, amigo,apenas triste com o luto.

Retornei dois dias após o enterro e prossegui com o laborão diário. Convenci Everton de que deveríamos fazer, no final do ano, uma viagem de férias por uma semana até Erechim. Um mês depois de tudo acertado, recebi a feliz notícia do próprio Everton de que ele estaria indo morar na cidade pernambucana de Bonito. Que bom! Gastaríamos menos tempo e dinheiro para passarmos o reveillon com ele e sua família.

Fomos de carro primeiro até Recife, onde nos hospedamos. Em vinte e nove de dezembro resolvemos que seria melhor se avisássemos a ele sobre nossa decisão. Não seria bom chegarmos nós, duas famílias, e encher sua casa. Como a cidade era pequena, temíamos que não houvesse hotel ou pousadas para nos abrigar.

Pedi a ligação telefônica. Do outro lado, a linha nada de desocupar-se. Tentamos muito até que conseguimos falar.

-Alô, é da residência do doutor Renan?

-É! Quem fala?

-Amigos dele.

-Pode deixar o recado comigo que passarei à esposa dele.

-Diga-lhe que é de Maceió. Chame-a!

Ela está sem poder atender ligações.

-Quando lhe disser que é o Dilmar, atenderá.

-Queira aguardar, senhor.

Sua voz estava chorosa,sem a costumeira gargalhada de felicidade de quando falávamos ao telefone. Algo deveria ter-lhe acontecido. O quê?

-Eveni?

-Dilmar querido!

-Como vai?

Senti-a mais triste ainda. Era estranho.Estava chorando, pude crer pelo barulho que fazia ao limpar o nariz e alguns soluços silenciosos que ouvi. Sentia alguma forte dor em sua alma.

-O que houve, amiga? Estou indo até aí, passar o reveillon com vocês. Tudo bem ?

-Enterrei Renan ontem. Vocês não sabiam?

Postergamos o reveillon para alguma outra data, dessa vez no além, sem ventos ou tempestades, onde todos nós possamos estar reunidos em torno de uma grande amizade. Afinal, nem tudo costuma acontecer como nós queremos ou programamos. Restou-nos um final de ano enlutado, sem direito a qualquer lembrança alegre. Nosso amigo era uma jóia rara de achar-se.