BIZARRO
Bizarro
O amigo que me leva de carro não corre muito, mas parece voar. E o jeito de guiar apressado, meio tenso que enerva. Bom amigo, Simpático, gentil, prestativo, alegre, bem humorado, falador, na maioria das vezes, só fala dele mesmo. O tempo todo. Todinho. De como é querido, admirado, amado, elogiado, destacado, feliz, uma Polliana vestida de homem, informa que tem “a carisma”. “A carisma” e a chatice, e o tédio. Claro, cansa ouvir alguém que só fala de si mesmo, num egocentrismo doentio, aflito, quase intolerável, que eu não havia percebido, ou se havia, deixei passar. Mas resolvi almoçar com ele e sua família. Enquanto guia, ele fala e fala e fala. De sua alegria, de sua bondade, de seu desprendimento, de sua “a carisma”. Me calo. Me calo por cansaço e certa irritação. Chegamos. A casa ainda não está terminada. Suspeito que nunca estará. Isso porque o amigo informa que gosta de mudar tudo, sempre. É uma casa estranha. Com três andares, o último mostra uma espécie de piramide invertida, ou seriam duas?! É quando se inicia o horror da poluição visual. Profusão de vasos com flores, grandes, pequenos, médios ínfimos. Profusão de ladrilhos por toda a casa. Se bem me lembro; em losangos, quadrados, retangulares, cada um com seu respectivo desenho: flores, bolinhas, listras, mais flores, bules, panelinhas, ursinhos, mais flores, peixinhos, lulas, conchinhas, mais flores. Do teto pendem tudo o que a felicidade carnavalesca de cada um, possa comprar: lâminas douradas, prateadas e vermelho-escuro que volteiam sem parar sobre sua cabeça. Acima delas, sininhos vermelhos chineses para se desejar um bom ano. Contei vinte - acredito que terão uns vinte bons anos pela frente. Uma estátua de uma mulher com ar pensativo e um jarro na cabeça, talvez pensasse que já era hora de parar de carregar tal fardo. Na parede todos os quadros que se possa ou não imaginar. Palhaços, junto com mandalas, junto com mais flores, junto com paisagens do mar, junto com uma folha de bananeira seca, com uma paisagem que toma toda uma parede. De um canto, uma fonte com água que escorre da boca de um peixe exausto.. Na parte inferior da casa, mora a irmã. Quando chegamos havia uma discussão entre ela e o pai. E foi nessa hora que ao olhar o rosto do amigo, vejo sua contrariedade e a mascara que ele retira do rosto e coloca sobre o colo, ela tem esses piripaques, toma remédio, seu rosto, aos poucos, se recompõe e a máscara de Polliana retorna. O pai me cumprimenta com desgosto, está irritado com a discussão. A mãe é quase um fiapo, um saldo de liquidação, dessas blusinhas que a gente olha e diz, nossa será que serve em alguém, serve , serve na minha sobrinha Larissa de três anos, haaa tá, cabelos vermelhos, fumante inveterada, tosse e é muito gentil. Tão gentil que me oferece café dentro de cada exatos 15 minutos. Fui ficando enjoada, enjoada a cada quinze precisos minutos. Até porque café, não sei se combina muito com pedacinhos de linguiça que me foram oferecidos. A esposa é magra também; simpática, olhar ágil, também gentil, vem cumprimentar a moça aqui, já vou já vou, não quer que eu fale com ela com bafo de onça né, responde ao amigo, e se lava numa pia que está na sala e que, em absoluto, eu havia notado. Num de repente todos saem da sala. O casal informa que vai comprar linguiça o que muito me aflige, a mãe seu esgueira pelas paredes e some, o pai está zangado e também some, aliás, já havia sumido. E nesse preciso momento surge um cachorrinho pincher que, de cara, me odeia com todas as suas forças de pincher. Arreganha os dentes e late desesperadamente como se eu fosse o inimigo; esgueira-se e some numa porta .Olho aflita para ver se alguém segura o cão. Ninguém. Silencio absoluto. De repente o cão retorna e late, late, late, os dentinhos arreganhados, ódio mortal por mim, que subo numa cadeira e fico gritando, sai, passa, passa, passa, mas, como passa é uma palavra em desuso para cães ela não passa e late furiosamente, aí eu grito sai feio, sai,feio, ela e pareceu não apreciar ser chamado de feio e late na escada. O amigo chega segura o cão, que ainda late com antipatia, e almoçamos; cada um se serve sozinho, todos comem e os pratos se cruzam , oi desculpe, oi que fome hein, oi ,oi, o silencio impera só se houve o nhec henc do mastigar. O amigo me mostra o resto da casa, mais profusão de ladrilhos, o filho me mostra engenhocas que cria, dois fios e uma roda gira e outra roda maior gira, e outra maior ainda, gira. Pergunto se ele não quer ser engenheiro mecanico, me olha suspeitoso, não só to brincando, mais café, me despeço meio enlouquecida o amigo me traz de volta, novamente fala de como tem “ a carisma”, como é querido, admirado, amado, eu aceno com a cabeça e faço uma promessa, completamente exausta : nunca mais falar “carisma’. Pronto.