O BANHO
Aos cinco anos de idade meu irmão mais novo tinha verdadeiro pavor da hora do banho. Nunca entendi muito bem o porquê desse horror. Já adulto, conversei com ele muitas vezes tentando entender o que se passava, mas nem ele consegue acessar essa informação... Às vezes eu imagino que tinha a ver com o sinal de que era hora de parar as brincadeiras e se preparar para jantar e dormir. Podia até ser... Mas, o mais interessante, é que só fazia esse berreiro quando minha mãe estava presente. Longe dela, ele não criava problemas...
Assim que ela o chamava, começava a manha... Acho que “puxou” ao meu tio Biné, pois uivava como lobo, e, como uma geração deve ser sempre uma reedição “melhorada” da anterior, não apenas uivava como também gritava alto:
- Da cintura prá baixo!... Da cintura prá baixo!...
Eu ficava uma “fera”!... Mas minha mãe agüentava aquele berreiro na maior calma! Acho que “curtia” a gritaria do filho mais novo e temporão, e até ironizava enquanto ia esfregando o chorão! Ia contando estórias sobre meninos que não tomavam banho, cantava músicas para abafar os gritos, enfim, era o caos até enxugar, vestir e aí sim, refeito da manha, sentá-lo em cadeirão alto para jantar. Depois, tinha direito a ver televisão e era colocado para dormir embalado pelas estórias dela ou de meu pai...
Mesmo achando graça, aquilo repetido dia após dia, foi dando canseira e ela, muito esperta, resolveu dar um basta, à sua moda!
Naquela ocasião havia surgido os primeiros gravadores domésticos e meu pai, sempre andando dentro das novidades, logo teve de adquirir um... Era daqueles aparelhos enormes e pesados, com fita fina e muito extensa. Quando resolvia sair do carretel, era um Deus nos acuda! Enrolar aquilo tudo de volta era uma luta cruel! Mas, tudo pela tecnologia!... Pois foi com um gravador desses que minha mãe resolveu seu problema...
Certa vez, antes de chamá-lo para o banho ela organizou uma sessão de gravação, colocando o aparelho camuflado o mais próximo possível do banheiro. Assim que o Paulo Marcos começou o berreiro ela ligou o aparelho e deixou gravando a manha! Imaginem bem a delícia para ela! Gozadora por excelência, caprichou o máximo! E ele, irritado, revidou as provocações de todas as maneiras possíveis. Ela esticou a sessão do banho o maior tempo que pôde enquanto tudo era gravado...
Banho tomado, birra terminada, foi colocado na cadeira alta para se alimentar. Minha mãe rebobinou a fita e colocou a gravação para tocar. Meu irmão jantava quando começou a notar algo conhecido no que ouvia... Aguçou o ouvido e ficou alguns minutos sem entender aquele berreiro todo! De repente reconheceu seus gritos. Tomado de raiva, falou:
-Desliga o gravador! Pára com isso!...
Minha mãe respondeu:
-Ué... Eu escuto isso todos os dias durante todo o tempo do banho! E você, já se cansou?... Nada disso... Hoje você também vai ter de escutar tudo da mesma forma que eu! Se eu agüento, você vai ter de agüentar também!...
E ele, muito miúdo, dizia:
-“Desgrava” isso! “Desgrava”,ou eu “taco”uma pedra!...
Nós, - meu irmão mais velho e eu-, morrendo de rir! E ele irado mandando parar... Por fim começou a chorar sentido...
Minha mãe aí não teve coragem de continuar o “show”. Desligou mas disse a ele:
- Agora você sabe como é desagradável para mim, ouvir sua gritaria todos os dias! Espero que se lembre disso amanhã quando for chamado para tomar seu banho...
Ele terminou seu jantar e cansado dormiu.
Dia seguinte minha mãe, outra vez, chamou-o no fim do dia para tomar banho. Ele começou a gritaria:
-Não! Não quero tomar banho! Só se for da cintura pra baixo!
De repente lembrou-se da gravação. Aproveitando uma saída de minha mãe, saiu nuzinho, foi até a sala e olhou se o gravador estava desligado ou não... Depois voltou correndo para o chuveiro e quando minha mãe chegou com a toalha, ele estava cantando em altos brados uma música que aprendera na escola... Cantava e dizia:
-Que delícia de banho! Como é bom tomar um banho quentinho!
Meu pai e nós os irmãos, enquanto isso, rolávamos de tanto rir!
Nunca mais ele fez drama por causa do banho... Redimiu-se completamente.
Hoje, enquanto eu escrevia esse “causo”, ele, sua esposa e seus dois filhos de 20 e 23 anos estiveram em minha casa. Contei que estava escrevendo a história do banho e novamente perguntei se sabia o porquê de tanta gritaria. Recebi a resposta por seu filho mais velho, o Flávio:
-Tia, não existe motivo! Acho que toda criança detesta banho! Eu mesmo ficava encostado em um canto, com o chuveiro ligado, só para dar impressão de que estava tomando banho. Saía depois de uns minutos, jogava água na cara e na toalha, até que minha mãe descobriu!
Rimos muito, e eu pensei:
-É... Alguém tem de fazer justiça nesse mundo!
Isso que chamamos de VINGANÇA MATERNA! Aqui se faz... Aqui se paga!...
(história real)