A queda no rio

O Júlio era o meu vizinho e companheiro de brincadeiras.

Numa sessão da 7ª arte, assistimos ao filme do Tarzan pela televisão. O resultado foi logo no outro dia, andarmos a pular de ramo em ramo nas cerejeiras, enquanto soltávamos o grito do Tarzan, imitando a forma como ouvimos no filme.

Ao princípio a distância do salto era pequena, porém após uns saltos bem sucedidos, a confiança e a distância aumentaram e os gritos sucediam-se de cada vez que saltávamos para a pernada seguinte. Assim passávamos horas seguidas nesta brincadeira. Todo este frenesim de homem macaco (perdão, miúdo macaco), passou de repente, após um salto ao ramo (liana) à qual me agarrei, não ter aguentado comigo e o resultado foi eu ter um encontro imediato com o chão. Uma nova versão do grito do Tarzan se ouviu, em nada parecido com o original, mas este era o meu, muito meu.

A minha aldeia é atravessada por um rio, ou melhor, um ribeiro no Verão e um rio no Inverno.

No Verão, para nadar e mergulhar, tínhamos de calcorrear cerca de um quilómetro, até encontrarmos um local com a área suficiente, para fazer corridas de natação e suficiente fundo para mergulhar sem bater com a mona no fundo, sempre que o mergulho era feito do cimo de uma pernada de salgueiro.

No Inverno com as chuvas, por vezes intensas, era uma alegria e um orgulho para nós os miúdos Micaelenses, ver o rio a transbordar pelas várzeas abaixo, a ponto de o Júlio me dizer:

– Ó Tónio, o nosso rio deve ser agora da largura do Tejo.

Na estrada para Sabugosa, o rio era atravessado por um pontão feito em grandes blocos de pedra de granito, com uns cinco ou sete metros de comprimento, por setenta centímetros de largura. Dada à sua estreita largura só dava para transitar uma pessoa de cada vez.

Nas nossas andanças, víamos alguns rapazes mais velhos, atravessar o pontão de bicicleta. Eu e o Júlio depois de vermos a facilidade com que eles o transpunham, fizemos uma aposta, para ver qual de nós tinha a coragem de fazer o mesmo.

Chegou o dia de eu provar de que massa era feito e lá vamos nós para a nossa aventura. Ao chegarmos ao pontão, reparámos que a água passava por cima das pedras, pensei em desistir, porém o Júlio, deu um passo em frente com o propósito de ser ele a atravessar primeiro.

Fiz valer a autoridade dos meus dez anos, pego na bicicleta, ando uns cinquenta metros para traz, para ganhar balanço e aí vou eu. Durante aquela distância deu-me tempo para pensar.

«E se caio ao rio? Mal se vêm as pedras»!

Pedalei sempre com a convicção de que ia conseguir. Ao chegar quase com a roda à primeira pedra, acovardei-me e desci da bicicleta. Com o Júlio a gozar-me, eu disse

– Vou passar com ela para a outra margem e atravesso em cima dela, de lá, porque é um pouco a descer.

Com a bicicleta à mão, vou eu já no meio do pontão, quando o pedal toca-me na perna, desequilibro-me e caio ao rio, por sorte a bicicleta ficou numa posição de cai não cai em cima das pedras e foi recuperada pelo Júlio, quanto a mim, com a força da corrente, fui parar uns metros mais abaixo, agarrei-me a uns ramos e consegui subir para a margem em segurança.

O Júlio, passado os momentos em que não sabia se tinha que pedir ajuda, pois tinha-me visto cair nas águas turvas e enquanto retirava a bicicleta, perdeu-me de vista, já estava pronto a pedalar com toda a força, em direcção à nossa aldeia para pedir ajuda, quando me vê.

Ele, que quase estava a chorar, desatou a rir cada vez mais, ao mesmo tempo que apontava o dedo na minha direcção, eu perplexo, não compreendia todas aquelas gargalhadas e perguntei.

– Qual é a graça? Ia morrendo afogado e tu ris desta maneira.

Foi pior a emenda que o soneto, depois de eu ter dito isto acelerou ainda mais o riso, a ponto de segurar a barriga com as mãos. Por fim, lá se acalmou a ponto de eu conseguir perceber entre o riso, algumas palavras.

– Vistes o que tens na cabeça? Parece um penico.

Ora eu, todo encharcado, a tiritar de frio, toco na cabeça e tiro qualquer coisa, que na altura pareceu-me a boina que usava, mas não, a boina foi com a corrente, o que eu tinha e que aquele malandro comparava a um penico, para mim era mais parecido com o capacete de D. Afonso Henriques. Não era mais do que uns restos de um galrricho meio desfeito pela corrente.

- Grande banho que deste e ainda recebeste uma prenda, um penico. - Diz aquele estupor que não parava de rir.

- Ó Júlio, também caíste ao rio? - Pergunto ao reparar nas calças todas molhadas.

- Não, porquê?

Foi a vez de eu me rir à gargalhada, o meu amigo Júlio à força de tanto rir, tinha-se mijado todo.

Lorde
Enviado por Lorde em 28/02/2013
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