Vida após a morte...

No dia 18 de setembro do ano de 2000, nascera aquele menino com cara de anjinho, semblante pálido com um mistério no olhar...

Sofrimento? Sentia ele dor? Aparentemente não, parecia sim saudável, terceiro filho de uma prole também saudável, nascido de tempo e parto normais, recebeu alta no dia seguinte ao parto, enxoval completo o esperava, tudo cuidadosamente arrumado pela mãe, avó materna e tias, entretanto havia algo estranho...

Ao passar dos dias e com algumas consultas foi-se descobrindo algo diferente, a mãe muito detalhista e já experiente, por se tratar de sua terceira gestação, percebia um desconforto da parte da criança. Desta forma, resolveu ir à procura de um especialista, ela dizia ao médico que o suor do bebê era bastante salgado, além do normal, sentia uma sensação de ter bebido água do mar após beijar a testa do bebê, isso a intrigava muito. Não fosse uma pneumonia que o tivesse internado no seu primeiro mês de vida ela teria ficado com essa questão sem respostas, toda junta médica dizia ser normal, que suor era salgado mesmo...

Precisou de internação, junto com a mãe, e esta deixando os outros filhos para trás, era esse filho que necessitava dela no momento, mais que os outros, não por ser diferente, ou melhor, mas necessitava de cuidados especiais.

Iniciaram-se as medicações, fortes por sinal e a pneumonia não acabava, foram ministrados diversos antibióticos, até que um deles, o mais forte resolveu, a doença havia cessado, contudo, o problema só estava por começar...

Existia uma espécie de refluxo e essa era uma das causas da internação, junto à pneumonia, não bastasse tudo isso havia uma doença de base, conhecida por fibrose cística!

A Fibrose Cística, ou Mucoviscidose, é uma doença genética autossômica recessiva causada por um distúrbio nas secreções de algumas glândulas, nomeadamente as glândulas exócrinas (glândulas produtoras de muco).

Começara ai uma bateria de exames, tudo girava em torno da tentativa de descoberta do diagnóstico, se realmente essa era a doença que assolava a paz daquela família e que tratamento faria para a cura desta...

Cura? Os médicos não a pouparam e disseram logo que para a fibrose cística não existia a cura... Existia sim um tratamento, passou-se dias... Meses...

Aquele ser frágil continuava sob cuidados médicos, precisou de sangue, alimentava-se por meio de nutrição parenteral (uma espécie de complemento nutricional), pois já não tinha forças para sugar o seio materno e seu organismo não absorvia proteínas e vitaminas. Suas veias frágeis já não suportavam tantas medicações, necessitando assim de uma cateterização, sua vida ia minguando ao passar dos dias e das agulhadas para medição de glicose que precisava ser feita 03 vezes ao dia.

Seus pais de origem católica pediram o batismo para seu filho, chamaram um padre e o bebê foi batizado ali mesmo na incubadora, com um chumaço de algodão embebido em água e a benção do sacerdote, sua roupa de batismo foi a estola do padre (A estola é uma vestimenta litúrgica de diversas denominações cristãs. É constituída por uma faixa de pano colorido, anteriormente normalmente de seda, cerca de 1.5 a 2.0 metros de comprimento e 3-4 cm de largura, cujas extremidades podem ser retas ou podem ampliar para fora)... Os padrinhos estavam presentes e esperançosos, a mãe por sua vez, entregou a vida de seu filho aos braços do Pai Celeste, ela acreditava nisso, estava ali sua fé e pedia que fosse feita a vontade d'Ele na vida de seu filho.

Após 02 meses de internação houve uma melhora considerável no quadro clínico, com indicação de idas para casa aos finais de semana. No entanto... A alegria durara pouco, nem chegara a usufruir o benefício e o quadro agravou-se, surgira outra pneumonia, passaram-se mais 02 meses e o coração daquela mãe estava ficando apertado, sofrido, vendo seu filho naquele estado de sofrimento, de estagnação, percebia em seus olhinhos tristes um pedido de socorro, de interrupção da dor e do sofrimento. A mãe ainda lidava com a falta dos outros filhos que ficaram em casa com parentes e amigos...

No dia 18 de fevereiro de 2001, uma melhora do estado clínico do bebê, visível e considerável para os médicos, estes até voltaram a falar da alta de fim de semana, o bebê recebeu visita de sua madrinha no período da tarde, trazendo conforto. Entretanto sua mãe percebia que o semblante de seu filhinho havia mudado, possuía um sorriso em seus lábios pequeninos, um sorriso de alívio, de despedida... Ela sentia isso, estava perto o fim, nesse dia ela não saiu do lado de seu leito, não comia ou bebia, somente queria estar ali quando a hora chegasse e sabia que estava perto, por volta das 18h houve uma parada respiratória (apnéia), uma enfermeira se aproximou correndo e levou o bebê para os procedimentos de tentativa de reanimação, os médicos tentaram trazê-lo de volta, contudo houve uma parada cardio-respiratória, agravando o quadro, massagem cardíaca naquele corpinho frágil e tão judiado, mas, era necessária, a mãe observava todo o procedimento por meio de uma parede de vidro que a separava de seu bebê, uma comoção, lágrimas de despedida, passando nesse momento a memória da vida tão curta de seu filho, vários questionamentos, dúvidas e indignação, uma variação de sentimentos, egoísmo talvez, não tinha como escapar desse momento, era o fim... Não havia sopro de vida... O fim de uma vida que estava começando, não se sabe ao certo qual a finalidade da vinda desse ser por tão curto tempo, ou qual sua missão aqui na terra, existiria vida após a morte? Pensamentos e questionamentos que passaram na cabeça dessa mãe e eram diversos, encontraria seu bebê em outro plano? Onde estaria ele agora após 11 anos?

Se existe vida após a morte essa mãe não saberia responder, mas a certeza de que seu filho ainda vive em sua alma de mãe, que cuidou, lutou, amamentou e o sentiu, amou dentro de sua alma e ainda o sente e ama por todos os dias de sua vida. Essa certeza ela sempre teve...

Neste instante de êxtase veio a enfermeira e entregou seu corpinho frágil e judiado para a mãe, era aniversário de 05 meses de seu bebê... Neste momento ela conseguiu forças e cantou para ele sua última canção, uma canção de ninar, um ninar eterno, para os braços do Pai.

Jo Trindade
Enviado por Jo Trindade em 28/02/2013
Reeditado em 28/02/2019
Código do texto: T4164365
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